Topo

Rico Vasconcelos

HIV, sífilis, gonorreia e clamídia: quem é quem no mundo das ISTs

Rico Vasconcelos

30/03/2018 04h00

Crédito: iStock

O que vem na sua cabeça quando pensa no assunto Infecção Sexualmente Transmissível (IST)? Para grande parte das pessoas o primeiro pensamento automático associado a ISTs é negativo, se aproximando de algo errado ou sujo. Deixando o julgamento moral de lado, como discutido na semana passada, e se atendo apenas ao que há de fatos, ISTs são um grupo de agentes infecciosos, na sua maioria vírus e bactérias, que descobriram uma maneira muito particular de se propagarem pelo mundo: através da atividade sexual humana.

Existem evidências de que as ISTs circulam entre nós desde o momento em que passou a existir seres humanos com vida sexual no planeta Terra. Em Machu Picchu (Peru), por exemplo, berço da antiquíssima civilização Inca, que remonta longínquos 4.000 anos antes de Cristo, foram encontrados cerca de 500 corpos de pessoas mortas, dos quais em quase 200 havia alterações que sugeriam infecção por sífilis. A conclusão disso é que os Incas transavam entre si. Ainda bem, pois só há sociedade se houver sexo, ainda que muitos tentem fingir que não.

Então, se as ISTs são algo que fazem parte da vida em sociedade, melhor conhecê-las bem para assim encontrar maneiras de lidar com o assunto.

O HIV, vírus da imunodeficiência humana, circula entre os seres humanos desde o final do século 19, mas foi só em meados dos anos 80 que percebemos isso. Ele não se transmite em 100% das vezes e nem o faz de maneira semelhante nas diferentes práticas sexuais, sendo que quando há penetração vaginal ou anal é que o risco de transmissão se torna significativo. O sexo oral, se transmitir HIV, o faz de maneira bastante rara. Já a masturbação, beijo na boca, abraço, tomar banho ou dormir junto, não transmitem o vírus nunca.

Saber disso é fundamental quando se pensa em prevenção, afinal desenvolver práticas sexuais com menor risco de transmissão, mas que ainda mantêm qualidade de sexo, é uma maneira bastante eficaz de se evitar a transmissão do HIV. Uma pessoa, por exemplo, que tem tesão em esperma precisa saber que esperma na boca tem muito menos chance de transmitir HIV do que na vagina ou no ânus. Ou ainda, que pessoas que gostam de práticas não penetrativas, como a masturbação ou o Frottage (fricção entre genitálias), podem ficar tranquilas quanto à transmissão do HIV. Mas se o sexo praticado inclui situações com chance real de transmissão do vírus, são necessárias estratégias adicionais de prevenção. Por isso é importante que cada um de nós pense na vida sexual que gosta de ter.

A sífilis, por sua vez, é causada por uma bactéria que tem a forma de uma espiral de caderno, chamada Treponema pallidum, e difere do HIV em termos de prevenção por ter muito maior transmissibilidade, principalmente nas primeiras semanas de infecção. Em outras palavras, quem mais pode transmitir sífilis é a pessoa que se infectou há pouco tempo, sendo que em fases mais tardias da doença, mesmo sem tratamento, essa transmissibilidade diminui. Novamente o sexo com penetração é o que mais tem chance de transmitir a sífilis, mas é comum ocorrer a transmissão da bactéria por sexo oral e até mesmo por práticas não penetrativas.

Duas outras bactérias, a Neisseria gonorrhoeae e a Chlamydia trachomatis, são também agentes que nos impressionam entre as ISTs pela facilidade com que se transmitem entre humanos e se disseminam pelo mundo. Também transmitidas tanto no sexo com penetração quanto pelo oral, elas são importantes causadoras de uretrites, proctites, infecções ginecológicas e amigdalites. Junto com a sífilis, e justamente por causa de suas altas transmissibilidades, são as três causas mais frequentes de ISTs em todo o mundo.

Se para alguns a alta transmissibilidade das ISTs bacterianas (sífilis, gonococo e clamídia) causa desespero, eu prefiro pensar que são todas elas infecções curáveis quando tratadas da maneira correta. O que preocupa mais é o fato de que uma parcela importante dessas infecções ocorre de maneira completamente assintomática, fazendo com que o indivíduo não busque o serviço de saúde, nem faça o diagnóstico/tratamento necessário para quebrar a cadeia de transmissão.

Assim, a maneira mais moderna para se lidar com ISTs não é pensar no assunto somente quando estiver, por exemplo, com gonorreia, e sim entender que quem tem vida sexual ativa deve fazer exames de rastreamento periodicamente, mesmo que esteja assintomático, para que possa realizar o tratamento correto, caso seja encontrado algum agente.

Sobre o autor

Médico Infectologista formado pela Faculdade de Medicina da USP, Rico Vasconcelos trabalha e estuda, desde 2007, sobre tratamento e prevenção do HIV e outras ISTs. É atualmente coordenador do SEAP HIV, o ambulatório especializado em HIV do Hospital das Clínicas da FMUSP, e vem participando de importantes estudos brasileiros de PrEP, como o iPrEX, Projeto PrEP Brasil, HPTN083 (PrEP injetável) e na implementação da PrEP no SUS. Está terminando seu doutorado na FMUSP e participa no processo de formação acadêmica de alunos de graduação e médicos residentes no Hospital das Clínicas. Também atua na difusão de informações dentro da temática de HIV e ISTs no Brasil, desenvolvendo atividades com ONGs, portais de comunicação, agências de notícias, seminários de educação comunitária e onde mais existir alguém que tenha vida sexual ativa e possua interesse em discutir, sem paranoias, como torná-la mais saudável.

Sobre o blog

Com uma abordagem moderna e isenta de moralismo sobre HIV e ISTs, dois assuntos que tradicionalmente são soterrados por tabus e preconceitos, Rico Vasconcelos pretende discutir aqui, de maneira leve e acessível, o que há de mais atual e embasado cientificamente circulando pelo mundo. Afinal, saber o que realmente importa sobre esse tema é o que torna uma pessoa capaz de gerenciar sua própria vulnerabilidade ao longo da vida sexual. Podendo assim encontrar as melhores maneiras para manter qualidade no sexo, e minimizar os prejuízos físicos e psicológicos associados ao HIV e ISTs.