Por que é tão difícil falar sobre ISTs?
As ciências da saúde têm o trabalho árduo de responder a dúvidas.
Nesse processo, encontrar as lacunas no que se sabe e preenchê-las de conhecimento, sempre respeitando o rigor científico, pode levar bastante tempo, demandar muito trabalho de uma grande equipe e, na maioria das vezes, custar quantias consideráveis de dinheiro. Mas todo esse empenho tem seu valor, pois somente com conhecimento verdadeiro e apurado, embasando as suas decisões é que uma sociedade pode se desenvolver de fato em termos de saúde coletiva.
Outro desafio, que não é nem um pouco menor, é o de fazer os conhecimentos descobertos pelas ciências da saúde chegarem de maneira compreensível e completa à maior parte possível da população. E ainda por cima, dando prioridade à comunicação com quem mais necessita e se beneficiaria daquela informação.
Quando restringimos essa discussão ao campo da Saúde Sexual e Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), essa segunda etapa, a de disseminação dos conhecimentos, parece enfrentar obstáculos ainda maiores e bastante particulares. É como se todo empenho, todo o investimento e todo o rigor científico utilizados para se desvendar uma questão relevante de saúde, que poderia beneficiar a toda uma população, não tivessem qualquer valor quando comparados com uma opinião ou julgamento pessoais.
Dificilmente você encontrará uma pessoa que diga com voz firme e de maneira argumentada "Eu sou contra o tratamento da tuberculose", mas não terá, na atualidade, nenhuma dificuldade para achar alguém que diga batendo no peito "Sou contra a Profilaxia Pré-Exposição ao HIV (PrEP*)".
Qual a diferença entre os dois posicionamentos? Tecnicamente, tanto o tratamento da tuberculose quanto a PrEP são estratégias já consagradas, fundamentadas em estudos científicos muito bem conduzidos, aprovadas pela ANVISA, recomendadas pela Organização Mundial da Saúde e disponíveis no SUS. As duas têm como objetivo a redução de desfechos negativos, como novas transmissões, comorbidades e morte, associados a duas das principais doenças infecciosas que assolam a humanidade: a tuberculose e o HIV. Entretanto, defender o tratamento da Tuberculose parece óbvio, enquanto a PrEP ainda não.
Aceitar a PrEP é trazer a Saúde Sexual para o centro da mesa. Reconhecendo que existem e sempre vão existir pessoas para quem a camisinha não funciona e nem é suficiente como estratégia de prevenção contra ISTs. É aceitar que algumas pessoas transam sem camisinha e, curiosamente, isso ainda é julgado como errado num Brasil em que 94% das pessoas já sabem que o preservativo é uma maneira eficaz de se evitar a infecção por HIV, entretanto apenas 55% delas usaram essa estratégia corretamente (da maneira que protege de verdade) em todas as relações com parcerias casuais no último ano, segundo pesquisa do Ministério da Saúde publicada em 2016 (PCAP).
A implementação da Prevenção Combinada no Brasil, que dá autonomia para os indivíduos encontrarem as melhores estratégias de prevenção para seus contextos de vida (leia o post), nos permite dar novo significado ao conceito de sexo seguro, que vai muito além de sexo com camisinha. Tudo isso com respaldo científico.
Cabe a cada um de nós agora funcionar como disseminador de todo esse conhecimento produzido pelas ciências da saúde e não deixar que nossos preconceitos e julgamentos se tornem obstáculos para o sucesso no enfrentamento das ISTs.
Sem preconceitos e sem julgamentos pessoais, chegaremos mais rapidamente a um mundo em que a tuberculose e o HIV não serão um problema para a humanidade.
* PrEP é uma nova estratégia de prevenção contra o HIV adotada como política pública no Brasil no final de 2017, que consiste no uso diário de um comprimido com antirretrovirais por pessoas que não têm HIV, para evitar que a infecção ocorra. Saiba mais em www.aids.gov.br/PrEP.
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