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Rico Vasconcelos

Conheça o Serosorting, mais uma ferramenta de prevenção do HIV

Rico Vasconcelos

24/08/2018 04h00

Crédito: iStock

Não se assuste se numa balada nos Estados Unidos, durante uma viagem, no meio da uma cantada surgir uma pergunta sobre seus resultados de exames para HIV. O nome disso é Serosorting, uma estratégia de prevenção com embasamento científico, que é recomendada por lá e que funciona.

Serosorting poderia ser traduzido para o português como a escolha do parceiro pelo status sorológico. Foi desenvolvido na década de 80 e consistia na escolha de parcerias sexuais que tenham o mesmo resultado da sorologia para HIV que você, para ter sexo sem preservativo. A estratégia nasceu da ideia de que alguém que não tem HIV não pode transmiti-lo para outras pessoas. E, mesmo se as duas pessoas do casal já vivem com HIV, haveria "menos problemas" numa eventual transmissão de vírus entre elas.

Desde os anos 80, muita coisa mudou. E hoje sabemos que a troca de vírus entre um casal soroconcordante pode ser sim muito ruim para os dois, no caso de vírus resistentes aos antirretrovirais. Porém, de lá pra cá aprendemos também que a chance de isso acontecer quando ambos estão em tratamento, mantendo a carga viral no sangue indetectável, é nula, o que torna a vida desse casal muito mais tranquila no aspecto da prevenção.

Para o Serosorting entre pessoas que não vivem com HIV, as coisas são um pouco diferentes. E, há mais de 30 anos, as preocupações são as mesmas: como ter certeza que a outra pessoa realmente não tem HIV? E se ela tiver se infectado depois do último exame negativo? Ou ainda, se os dois resolverem fazer, antes do sexo, um autoteste de HIV, que agora é vendido em farmácias e distribuído gratuitamente, e os resultados forem negativos. Como garantir que não estão dentro do período de janela imunológica?

Essas dúvidas são de fato os pontos fracos do Serosorting pois, teoricamente, a proteção contra o HIV seria de 100% se houvesse certeza absoluta de que estão realmente livres do vírus.

Entretanto, mesmo com todas essas incertezas, os estudos que compararam o uso do Serosorting com o sexo sem preservativo sem nenhum tipo de critério, demonstraram que a estratégia reduz em 54% a transmissão do HIV. Só para se ter uma ideia, os estudos que avaliaram a proteção obtida com o uso do preservativo como estratégia isolada de prevenção, baseados no autorrelato do seu uso, obtiveram uma redução na incidência de HIV entre 63 e 72%.

O Serosorting não é recomendado como estratégia de prevenção isoladamente, mas os resultados dos estudos citados demonstram, de uma maneira muito interessante, que uma coisa simples, como conversar sobre prevenção com sua parceria antes da relação sexual, é capaz de reduzir significativamente a transmissão do HIV.

Sobretudo agora, com as múltiplas e diferentes estratégias de prevenção disponíveis, a definição de Serosorting está sendo atualizada para a escolha dos parceiros que não apresentam riscos de transmitir HIV, como os que vivem com HIV indetectáveis ou os negativos em PrEP. Na Austrália, por exemplo, após a implementação da PrEP de maneira maciça, foi verificada diminuição da frequência do uso do preservativo entre pessoas que não estavam em PrEP, e isso porque os seus parceiros estavam. E mesmo assim, houve redução significativa dos novos casos de HIV. Isso é simplesmente Serosorting.

O Serosorting é recomendado em campanhas governamentais e já bastante utilizado nos Estados Unidos. No Brasil, a estratégia ainda é usada timidamente e muitas vezes as perguntas envolvidas são interpretadas de maneira equivocada.

Falar sobre o HIV, principalmente com suas parcerias sexuais, é uma maneira também de melhorar sua saúde sexual. Perca o medo de fazer isso e inclua mais essa ferramenta nas suas opções de prevenção combinada.

Sobre o autor

Médico Infectologista formado pela Faculdade de Medicina da USP, Rico Vasconcelos trabalha e estuda, desde 2007, sobre tratamento e prevenção do HIV e outras ISTs. É atualmente coordenador do SEAP HIV, o ambulatório especializado em HIV do Hospital das Clínicas da FMUSP, e vem participando de importantes estudos brasileiros de PrEP, como o iPrEX, Projeto PrEP Brasil, HPTN083 (PrEP injetável) e na implementação da PrEP no SUS. Está terminando seu doutorado na FMUSP e participa no processo de formação acadêmica de alunos de graduação e médicos residentes no Hospital das Clínicas. Também atua na difusão de informações dentro da temática de HIV e ISTs no Brasil, desenvolvendo atividades com ONGs, portais de comunicação, agências de notícias, seminários de educação comunitária e onde mais existir alguém que tenha vida sexual ativa e possua interesse em discutir, sem paranoias, como torná-la mais saudável.

Sobre o blog

Com uma abordagem moderna e isenta de moralismo sobre HIV e ISTs, dois assuntos que tradicionalmente são soterrados por tabus e preconceitos, Rico Vasconcelos pretende discutir aqui, de maneira leve e acessível, o que há de mais atual e embasado cientificamente circulando pelo mundo. Afinal, saber o que realmente importa sobre esse tema é o que torna uma pessoa capaz de gerenciar sua própria vulnerabilidade ao longo da vida sexual. Podendo assim encontrar as melhores maneiras para manter qualidade no sexo, e minimizar os prejuízos físicos e psicológicos associados ao HIV e ISTs.