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Rico Vasconcelos

Campanha de prevenção do HIV do Ministério da Saúde é um equívoco; entenda

Rico Vasconcelos

01/03/2019 04h00

Crédito: iStock

Essa semana, o ministro da saúde Luiz Henrique Mandetta anunciou a campanha de prevenção de HIV do Carnaval de 2019. Ela tem como público alvo a população masculina e foca especificamente no uso do preservativo. Para isso, usa o slogan "Pare, pense e use camisinha" e conta com a participação do cantor do hit Jenifer, o artista Gabriel Diniz.

O argumento do ministério para montagem da campanha nesse formato é que, segundo o último Boletim Epidemiológico de HIV/Aids, quase 70% dos novos casos de infecção por HIV foram registrados entre homens, com evidente tendência de aumento desses casos entre os menores de 30 anos de idade.

Até aí, a o senso comum pode achar que não há nada de errado. Mas, um aspecto fundamental foi ignorado pela campanha.

Centralizar a prevenção do HIV na camisinha é algo obsoleto e não mais indicado. Os estudos existentes no campo da prevenção demonstram que a recomendação da camisinha como estratégia isolada de prevenção nunca foi e nunca será capaz de conter a epidemia de qualquer infecção sexualmente transmissível (IST). Isso porque apenas parte da população mundial consegue usá-la de maneira correta e constante.

Por outro lado, procurar compreender a complexidade dos fatores que tornam um indivíduo vulnerável ao HIV e oferecer a possibilidade da associação de diferentes estratégias preventivas eficazes, adaptando a prevenção para os diferentes contextos de vida sexual, é o que tem dado certo no resto do mundo no controle dessa epidemia.

Essa abordagem é denominada Prevenção Combinada e prevê a disponibilização, além da camisinha, de testagem seriada para HIV/ISTs, das Profilaxias Pré e Pós Exposição ao HIV (PrEP e PEP), da terapia antirretroviral universal e da informação de que uma pessoa que vive com HIV não transmite seu vírus por via sexual enquanto estiver sob tratamento adequado. Desse modo as possibilidades de sexo seguro se multiplicam e vão muito além do sexo com camisinha.

Se cada indivíduo tem autonomia para escolher usar aquilo que cabe em sua vida, vai certamente aderir de maneira muito mais consistente às estratégias preventivas.

Faz parte também desse plano de controle do HIV a elaboração de ações estruturais e políticas públicas que reduzam fatores que tornam mais vulneráveis subgrupos populacionais específicos, como racismo, machismo, LGBTfobia e qualquer tipo de estigma ou discriminação.

A Prevenção Combinada é recomendada pela Organização Mundial da Saúde desde 2015, mas no Brasil o Ministério da Saúde começou a coloca-la em prática somente em 2017. Em 2019 deveríamos estar numa fase de ampliação do conhecimento e da rede pública de atendimento de PrEP e PEP, já disponíveis no SUS. No lugar disso, o que vemos é uma campanha que parece ter sido criada na década de 90, repetindo um discurso punitivo que já se mostrou ineficaz, sem sequer tocar nos demais componentes da Prevenção Combinada.

O estímulo ao uso da camisinha é sempre bem-vindo, assim como a modernização de sua embalagem e o plano de aumentar, no ano de 2019, em 22% a quantidade de unidades distribuídas gratuitamente. Mas o discurso não pode terminar por aí.

A campanha de prevenção oficial para o carnaval de 2019, que poderia ter sido uma excelente alavanca para a engrenagem da Prevenção Combinada no Brasil, surge como uma peça com discurso ultrapassado. E ao não priorizar a comunicação com a população trans, gay e bissexual – grupos desproporcionalmente acometidos pela epidemia – apenas reforça a já histórica LGBTfobia institucional do sistema público de saúde brasileiro.

Insistir na ideia de que o discurso de prevenção de HIV e outras ISTs pode ser resumido ao "Use camisinha", e ainda por cima não direcionado às populações mais vulneráveis, é um equívoco irresponsável em 2019 e uma das causas da nossa ainda crescente epidemia.

E já que o Ministério da Saúde não transmite as informações que deveria, recomendo sempre a leitura das 10 metas de prevenção. Não só para esse carnaval, mas para toda a vida.

Sobre o autor

Médico Infectologista formado pela Faculdade de Medicina da USP, Rico Vasconcelos trabalha e estuda, desde 2007, sobre tratamento e prevenção do HIV e outras ISTs. É atualmente coordenador do SEAP HIV, o ambulatório especializado em HIV do Hospital das Clínicas da FMUSP, e vem participando de importantes estudos brasileiros de PrEP, como o iPrEX, Projeto PrEP Brasil, HPTN083 (PrEP injetável) e na implementação da PrEP no SUS. Está terminando seu doutorado na FMUSP e participa no processo de formação acadêmica de alunos de graduação e médicos residentes no Hospital das Clínicas. Também atua na difusão de informações dentro da temática de HIV e ISTs no Brasil, desenvolvendo atividades com ONGs, portais de comunicação, agências de notícias, seminários de educação comunitária e onde mais existir alguém que tenha vida sexual ativa e possua interesse em discutir, sem paranoias, como torná-la mais saudável.

Sobre o blog

Com uma abordagem moderna e isenta de moralismo sobre HIV e ISTs, dois assuntos que tradicionalmente são soterrados por tabus e preconceitos, Rico Vasconcelos pretende discutir aqui, de maneira leve e acessível, o que há de mais atual e embasado cientificamente circulando pelo mundo. Afinal, saber o que realmente importa sobre esse tema é o que torna uma pessoa capaz de gerenciar sua própria vulnerabilidade ao longo da vida sexual. Podendo assim encontrar as melhores maneiras para manter qualidade no sexo, e minimizar os prejuízos físicos e psicológicos associados ao HIV e ISTs.