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Rico Vasconcelos

Entenda como funciona a nova PrEP sob demanda. Ela pode funcionar pra você

Rico Vasconcelos

30/08/2019 04h00

Crédito: iStock

Já por algumas vezes falei nessa coluna que existe mais de uma forma de se usar a Profilaxia Pré-Exposição ao HIV (PrEP). Além daquela clássica, tomada diariamente, existe uma forma alternativa, denominada PrEP Sob Demanda. Entretanto, sempre que abordei essa forma não-clássica, deixei claro que se tratava de uma estratégia em fase de estudos e que, até então, seu uso ainda não era recomendado oficialmente.

No último mês as coisas mudaram, como sempre mudam no universo do HIV. A Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou um guia de recomendações para o uso da PrEP Sob Demanda como nova forma de prevenção em situações específicas e sobre isso que pretendo discutir aqui, com o objetivo de solucionar as dúvidas sobre o assunto.

A PrEP clássica, já conhecida desde 2010, consiste no uso de dois medicamentos antirretrovirais co-formulados em um comprimido que, quando tomado diariamente por pessoas que não vivem com HIV, pode reduzir em mais de 99% o risco de se infectarem com esse vírus em relações sexuais sem preservativo.

A PrEP diária é recomendada – pela OMS desde 2015 e pelo Ministério da Saúde brasileiro desde 2017 – como forma adicional de prevenção para indivíduos que apresentam risco elevado de infecção por HIV por não usarem o preservativo de forma consistente. É oferecida dentro de um pacote de Prevenção Combinada, que também inclui periodicamente o aconselhamento de redução de vulnerabilidades, testagem e tratamento das demais infecções sexualmente transmissíveis e atualização da carteira vacinal.

Já a PrEP sob demanda é uma forma diferente de prevenção do HIV que utiliza o mesmo medicamento da PrEP diária, porém tomado em posologia diferente. Nela os comprimidos são tomados apenas antes e depois de cada relação sexual que apresente risco de transmissão desse vírus.

Segundo o novo esquema, agora recomendado pela OMS, são tomados apenas 4 comprimidos da PrEP próximos à relação sexual. Dois antes e dois depois. Os dois antes são tomados juntos e os depois em dias separados.

Os dois primeiros devem ser tomados de 2 a 24 horas antes da relação sexual. Depois disso, mais um comprimido no dia seguinte, 24 horas depois dos primeiros, e por fim um último tomado 48 horas após o início do esquema. Sendo, portanto, 4 comprimidos tomados em 3 dias: 2 no primeiro, 1 no segundo e 1 no terceiro. Por isso o esquema é também chamado de PrEP 2+1+1.

Caso ocorram novas relações sexuais sem preservativo no meio do esquema, ele deve ser prolongado até que tenham sido completados 2 dias seguidos com um comprimido diário depois da última exposição de risco.

A eficácia do esquema foi comprovada em dois estudos muito bem feitos, conduzidos por pesquisadores franceses que, após incluir mais de 3.500 participantes com critérios de alta vulnerabilidade sexual, não foram identificados nem ao menos um caso de soroconversão por HIV durante os anos de acompanhamento clínico entre os participantes que tinham boa adesão aos comprimidos.

O desenvolvimento de esquemas alternativos de PrEP pretende multiplicar as opções de prevenção para poder atender as necessidades de cada vez mais pessoas e contemplar diferentes contextos de vida. Para pessoas que tinham exposições sexuais menos frequentes, por exemplo, a exigência do uso contínuo dos comprimidos era um problema que agora poderá ser resolvido com a utilização da PrEP sob demanda.

Só é preciso ressaltar que a adesão correta ao esquema de tomada dos comprimidos é fundamental para o sucesso na proteção da PrEP sob demanda. É preciso então de organização para não se perder nas doses. A mesma atenção deve ser dada à antecipação de no mínimo 2 horas na tomada dos 2 primeiros comprimidos, o que nem sempre é possível, a depender da rotina sexual do indivíduo.

Uma pessoa pode também migrar da PrEP diária para a PrEP sob demanda e vice-versa, a depender da dinâmica da sua vida sexual. Segundo o guia da OMS, a PrEP diária é sugerida pra aqueles que têm 2 ou mais relações sexuais por semana e a sob demanda para quem tem menos do que duas.

Por fim, a PrEP sob demanda só é recomendada oficialmente para homens gays e bissexuais, uma vez que foram esses os grupos majoritariamente incluídos nos estudos franceses.

Aqui no Brasil ainda aguardamos um posicionamento do Ministério da Saúde. PrEP sob demanda não servirá para todo mundo, assim como a camisinha não serve. Mas esperamos que essa opção  seja logo incorporada ao cardápio da Prevenção Combinada, tornando cada vez mais fácil encontrar um método de prevenção do HIV que caiba na vida das pessoas.

Sobre o autor

Médico Infectologista formado pela Faculdade de Medicina da USP, Rico Vasconcelos trabalha e estuda, desde 2007, sobre tratamento e prevenção do HIV e outras ISTs. É atualmente coordenador do SEAP HIV, o ambulatório especializado em HIV do Hospital das Clínicas da FMUSP, e vem participando de importantes estudos brasileiros de PrEP, como o iPrEX, Projeto PrEP Brasil, HPTN083 (PrEP injetável) e na implementação da PrEP no SUS. Está terminando seu doutorado na FMUSP e participa no processo de formação acadêmica de alunos de graduação e médicos residentes no Hospital das Clínicas. Também atua na difusão de informações dentro da temática de HIV e ISTs no Brasil, desenvolvendo atividades com ONGs, portais de comunicação, agências de notícias, seminários de educação comunitária e onde mais existir alguém que tenha vida sexual ativa e possua interesse em discutir, sem paranoias, como torná-la mais saudável.

Sobre o blog

Com uma abordagem moderna e isenta de moralismo sobre HIV e ISTs, dois assuntos que tradicionalmente são soterrados por tabus e preconceitos, Rico Vasconcelos pretende discutir aqui, de maneira leve e acessível, o que há de mais atual e embasado cientificamente circulando pelo mundo. Afinal, saber o que realmente importa sobre esse tema é o que torna uma pessoa capaz de gerenciar sua própria vulnerabilidade ao longo da vida sexual. Podendo assim encontrar as melhores maneiras para manter qualidade no sexo, e minimizar os prejuízos físicos e psicológicos associados ao HIV e ISTs.