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Rico Vasconcelos

Qual a necessidade de manter a PrEP durante a quarentena?

Rico Vasconcelos

03/04/2020 04h00

iStock

A partir do momento em que adotamos, no Brasil, o isolamento social como estratégia oficial de controle da disseminação do novo coronavírus (SARS-CoV-2), cada cidadão desse país imediatamente começou a pensar em como ia ficar a sua vida nas semanas seguintes.

Não foi todo mundo que parou, mas para as pessoas que conseguiram de fato ficar em casa, a cada dia da quarentena que passava, uma nova dúvida surgia na cabeça. "Como vai ser agora sem academia? O que vou fazer quando chegar a hora de cortar o cabelo? Preciso tirar o sapato para entrar em casa? Até quando essa quarentena vai durar?"

Mas as dúvidas que eu mais tenho recebido dos pacientes que acompanho em uso de Profilaxia Pré-Exposição ao HIV (PrEP) são: "Eu posso parar com a minha PrEP durante a quarentena?" e "A PrEP me protege do coronavírus?".

A primeira dúvida é muito pertinente. Não porque eles acreditam que exista o risco de faltar o medicamento no SUS (Sistema Único de Saúde) e nem nas farmácias que vendem a PrEP para o mercado privado. Mas porque querem saber se realmente precisam continuar tomando a medicação durante um período em que vão ficar em reclusão.

Bom, a PrEP tem como sua principal indicação a prevenção contra o HIV entre pessoas que apresentam alto risco de se infectarem com esse vírus por não conseguirem usar a camisinha de modo correto e constante. Se esse risco deixar de existir porque não está havendo atividade sexual durante a quarentena, ela de fato pode temporariamente deixar de ser necessária.

Essa questão, no entanto, é um pouco mais complicada do que parece. Primeiro, é preciso que fique bem claro que, ao interromper a PrEP, a pessoa perde uma camada de proteção contra o HIV. Por isso, uma interrupção da PrEP só faz sentido se durante a quarentena realmente não vai haver sexo sem camisinha.

Caso depois da interrupção aconteça, de forma inesperada, uma relação sexual desprotegida, essa pessoa deve buscar rapidamente a Profilaxia Pós-Exposição ao HIV (PEP) em um dos serviços da rede pública.

Em segundo lugar, quando a PrEP for ser reiniciada, o ideal seria fazer primeiro um teste rápido de HIV. Não se pode esquecer também que somente depois de 7 dias são atingidos os níveis dos medicamentos que garantem a proteção contra o HIV nas exposições sexuais anais, e depois de 21 dias nas exposições vaginais.

Por fim, no momento da interrupção dos comprimidos da PrEP, é preciso saber quando foi a última relação sexual sem preservativo. Por muitos anos recomendamos que fossem tomados no mínimo 30 dias de PrEP depois da última relação desprotegida. Mas, recentemente, com os resultados de estudos da PrEP Sob Demanda, a comunidade científica tem discutido se não seria seguro interromper os comprimidos da PrEP depois de apenas 2 dias.

Na verdade, o melhor a se fazer se você está querendo parar a sua PrEP temporariamente durante a quarentena por não estar tendo sexo com ninguém, é conversar com o profissional da saúde que o acompanha para discutir com ele se essa é uma boa ideia no seu caso.

Em relação à outra dúvida sobre PrEP, diferente do que tem sido divulgado nas redes sociais, seu uso não é ainda uma forma cientificamente comprovada de prevenção contra o novo coronavírus, portanto ninguém deve tomar os comprimidos apenas com esse objetivo.

Essa especulação vem da hipótese de que medicamentos antirretrovirais poderiam ter ação antiviral contra o SARS-CoV-2, o que traria proteção para quem os toma diariamente. Isso é apenas uma hipótese que ainda não foi comprovada, mas que está sendo estudada.

Lavar as mãos e ficar em casa sim funcionam como prevenção. Usar a camisinha também. Aprenda a gerenciar os seus riscos e encontrar as melhores maneiras de se proteger.

Sobre o autor

Médico Infectologista formado pela Faculdade de Medicina da USP, Rico Vasconcelos trabalha e estuda, desde 2007, sobre tratamento e prevenção do HIV e outras ISTs. É atualmente coordenador do SEAP HIV, o ambulatório especializado em HIV do Hospital das Clínicas da FMUSP, e vem participando de importantes estudos brasileiros de PrEP, como o iPrEX, Projeto PrEP Brasil, HPTN083 (PrEP injetável) e na implementação da PrEP no SUS. Está terminando seu doutorado na FMUSP e participa no processo de formação acadêmica de alunos de graduação e médicos residentes no Hospital das Clínicas. Também atua na difusão de informações dentro da temática de HIV e ISTs no Brasil, desenvolvendo atividades com ONGs, portais de comunicação, agências de notícias, seminários de educação comunitária e onde mais existir alguém que tenha vida sexual ativa e possua interesse em discutir, sem paranoias, como torná-la mais saudável.

Sobre o blog

Com uma abordagem moderna e isenta de moralismo sobre HIV e ISTs, dois assuntos que tradicionalmente são soterrados por tabus e preconceitos, Rico Vasconcelos pretende discutir aqui, de maneira leve e acessível, o que há de mais atual e embasado cientificamente circulando pelo mundo. Afinal, saber o que realmente importa sobre esse tema é o que torna uma pessoa capaz de gerenciar sua própria vulnerabilidade ao longo da vida sexual. Podendo assim encontrar as melhores maneiras para manter qualidade no sexo, e minimizar os prejuízos físicos e psicológicos associados ao HIV e ISTs.