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Rico Vasconcelos

Pesquisa de vacina contra o HIV é adiada devido à pandemia de coronavírus

Rico Vasconcelos

10/04/2020 04h00

Getty Images

Nas últimas semanas, o mundo está vendo os países pararem suas atividades para conter a pandemia do novo coronavírus. Chefes de estado e opinião pública debatem calorosamente os desdobramentos de uma quarentena mais ou menos restritiva, pesando de um lado o número de vítimas da covid-19 e, do outro, a economia mundial. No entanto, o impacto da pandemia nas pesquisas clínicas e no desenvolvimento científico é enorme e pouco discutido.

Recentemente, por exemplo, foi anunciada a interrupção da pesquisa que testava uma nova vacina experimental para proteção contra a infecção por HIV. O estudo MOSAICO pretendia incluir 3.800 participantes na Argentina, Brasil, Espanha, Estados Unidos, Itália, México, Peru e Polônia, para receberem a nova vacina. A decisão por parar o estudo foi tomada pois alguns dos países participantes estão passando por momentos difíceis no enfrentamento do novo coronavírus.

No Brasil, as inclusões estavam programadas para começar no mês de maio nas cidades de Belo Horizonte, Curitiba, Manaus, Nova Iguaçu, Rio de Janeiro e São Paulo. Não há ainda data prevista para o reinício da pesquisa, mas dentro de um mês essa possibilidade será reavaliada pelos seus coordenadores.

A interrupção de um estudo de vacina de HIV como esse é mais um dos grandes prejuízos para a humanidade causados pela nova pandemia, pois tudo o que sabemos no mundo da ciência moderna é construído por meio de estudos e pesquisas clínicas.

Todos os medicamentos utilizados para tratamento de doenças e vacinas para prevenção contra infecções, precisaram primeiro passar por um longo e rigoroso processo de pesquisa clínica antes de serem prescritos por médicos aos seus pacientes.

Todo esse rigor existe não só para garantir a segurança daqueles que vão receber a medicação ou a dose da vacina, mas também para que saibamos com certeza se o seu uso trará o efeito desejado.

Esse processo pode durar anos, pois, em geral, começa-se avaliando os efeitos do produto experimental na bancada de um laboratório, numa placa de vidro. Se os resultados forem promissores, ele é testado em animais que simulam o que acontece no corpo humano, e só então, se tudo der certo até aí, começam as aplicações em pessoas que voluntariamente participam dessas pesquisas.

Nem sempre algo que funciona bem no tubo de ensaio vai repetir seu efeito em um macaco. Assim como uma droga pode funcionar muito bem em um rato e mal em seres humanos.

As pesquisas clínicas desenvolvidas dentro da ciência do HIV, desde a década de 1980, são exemplos perfeitos da complexidade desse processo. Muitos medicamentos e vacinas experimentais para o tratamento e prevenção desse vírus falharam em algum ponto dessa sequência e por isso foram abandonados. Alguns por não funcionarem em seres humanos como deveriam, outros por causarem mais mal do que bem aos seus usuários (Pra quem gosta de cinema, recomendo para quarentena o premiado longa metragem de 2013 Clube de Compras Dallas, que conta um pedaço da pesquisa clínica do histórico antirretroviral AZT).

Mas a perseverança dos pesquisadores e o rigor científico na condução dos seus estudos são responsáveis hoje pelo vasto arsenal disponível de medicamentos antirretrovirais seguros e eficazes para o tratamento do HIV. Uma vacina contra esse vírus, também segura e eficaz, realmente faz muita falta, e agora poderá demorar ainda mais tempo para se tornar uma realidade.

Mas precisamos entender que pesquisa na área da saúde é assim mesmo. Saber priorizar as decisões que devem ser tomadas é tão importante quanto fazer o diagnóstico ou tratamento correto de uma doença. Apenas não se pode, por pressa ou por falta de uma verdade consolidada, pular etapas do processo e nem abandonar o rigor científico, senão essas decisões simplesmente podem não trazer os resultados desejados.

Quando temos muitas perguntas importantes sem respostas, é preciso de atenção senão qualquer oportunista pode ocupar o lugar vago. A ciência serve para impedir isso. Só ela poderá, no seu tempo, determinar quais são os melhores medicamentos e vacinas para cada doença.

Sobre o autor

Médico Infectologista formado pela Faculdade de Medicina da USP, Rico Vasconcelos trabalha e estuda, desde 2007, sobre tratamento e prevenção do HIV e outras ISTs. É atualmente coordenador do SEAP HIV, o ambulatório especializado em HIV do Hospital das Clínicas da FMUSP, e vem participando de importantes estudos brasileiros de PrEP, como o iPrEX, Projeto PrEP Brasil, HPTN083 (PrEP injetável) e na implementação da PrEP no SUS. Está terminando seu doutorado na FMUSP e participa no processo de formação acadêmica de alunos de graduação e médicos residentes no Hospital das Clínicas. Também atua na difusão de informações dentro da temática de HIV e ISTs no Brasil, desenvolvendo atividades com ONGs, portais de comunicação, agências de notícias, seminários de educação comunitária e onde mais existir alguém que tenha vida sexual ativa e possua interesse em discutir, sem paranoias, como torná-la mais saudável.

Sobre o blog

Com uma abordagem moderna e isenta de moralismo sobre HIV e ISTs, dois assuntos que tradicionalmente são soterrados por tabus e preconceitos, Rico Vasconcelos pretende discutir aqui, de maneira leve e acessível, o que há de mais atual e embasado cientificamente circulando pelo mundo. Afinal, saber o que realmente importa sobre esse tema é o que torna uma pessoa capaz de gerenciar sua própria vulnerabilidade ao longo da vida sexual. Podendo assim encontrar as melhores maneiras para manter qualidade no sexo, e minimizar os prejuízos físicos e psicológicos associados ao HIV e ISTs.