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Rico Vasconcelos

Pessoas vivendo com HIV têm maior risco de desenvolver covid-19?

Rico Vasconcelos

12/06/2020 04h00

iStock

A cada dia que passa conhecemos um pouco mais da pandemia do novo coronavírus que em poucos meses já se disseminou por todo o planeta e mudou a vida dos seus habitantes. Quando ele surgiu, em dezembro de 2019, muitas suposições foram feitas sobre como ele iria se comportar, mas o tempo e as centenas de artigos científicos publicados sobre o assunto desde então nos ajudaram a separar quais delas estavam certas e quais estavam erradas.

Um exemplo disso é a interação do novo coronavírus com o HIV. No início da pandemia atual, reproduzindo recomendações que haviam sido elaboradas com o conhecimento acumulado com outras epidemias de vírus respiratórios, como o H1N1 ou a gripe suína, as autoridades de saúde mundiais chegaram a dizer que pessoas que viviam com HIV precisariam agora de atenção especial. Teoricamente, poderiam estar mais vulneráveis à infecção pelo novo vírus e desenvolveriam com maior frequência as formas graves da covid-19.

Conforme a pandemia avançou pelos continentes, felizmente a então esperada avalanche de pacientes coinfectados com HIV e coronavírus não se concretizou. Na China e nos países europeus, pessoas vivendo com HIV simplesmente não estavam entre as mais frequentemente internadas em unidades de terapia intensiva com a doença.

Será que havia algo de diferente fazendo com que pessoas com HIV tivessem melhor evolução com a COVID-19 do que tinham com o já conhecido e traiçoeiro vírus Influenza da gripe? Chegou-se até a levantar a hipótese de que o tratamento antirretroviral utilizado para o HIV poderia de alguma forma proteger seus usuários contra o novo Coronavírus.

 Se isso é verdade ou não, ainda não sabemos. Somente com a finalização dos vários estudos que estão avaliando essa hipótese, poderei responder a vocês. No entanto, com as informações de alguns estudos recentemente publicados, estamos começando a compreender quem são as pessoas que, vivendo com HIV, têm mais chances de ter problemas com o novo Coronavírus.

Em um desses estudos, conduzido por pesquisadores espanhóis, os pacientes com HIV acompanhados no Hospital Universitário Ramón y Cajal, de Madri, que foram diagnosticados com covid-19 foram comparados com os demais pacientes com HIV do serviço. Entre os 2.873 pacientes do ambulatório de HIV desse hospital houve apenas 51 casos diagnosticados de infecção pelo novo Coronavírus.

Tanto a idade quanto a imunidade (avaliada pela contagem de linfócitos T CD4+) dos casos diagnosticados foram semelhantes às dos indivíduos que continuaram saudáveis. Entretanto, doenças crônicas como obesidade, hipertensão arterial e diabetes foram significativamente mais frequentes entre aqueles que ficaram doentes.

A apresentação clínica e os achados laboratoriais e radiológicos dos casos de covid-19 entre os pacientes com HIV foram comparáveis aos descritos nos casos da doença na população geral. Dos 51 casos diagnosticados com coronavírus no estudo, 6 precisaram ser internados em unidade de terapia intensiva e apenas 2 morreram em decorrência de complicações da doença.

Os autores afirmam em seu trabalho que esse é o maior grupo de pacientes coinfectados com HIV e Sars-CoV-2 publicado até o momento, mas que ainda assim esse é um número pequeno para se tirar conclusões definitivas sobre a interação dos dois vírus.

De qualquer maneira, as evidências encontradas até agora nos fazem compreender que aparentemente os fatores de risco para o adoecimento por covid-19 entre as pessoas que vivem com HIV, como a presença de doenças crônicas, são os mesmos da população geral.

Assim, o fato de viver com HIV sob tratamento adequado não deve ser um motivo adicional de preocupação nem de tranquilidade frente a pandemia de Coronavírus. E todas as recomendações para a população geral em relação à covid-19 se aplicam também às pessoas com HIV.

Nada impede, no entanto, que isso mude mais pra frente. Uma das belezas da ciência está justamente na capacidade de reconhecer que pode propor também hipóteses equivocadas.

Sobre o autor

Médico Infectologista formado pela Faculdade de Medicina da USP, Rico Vasconcelos trabalha e estuda, desde 2007, sobre tratamento e prevenção do HIV e outras ISTs. É atualmente coordenador do SEAP HIV, o ambulatório especializado em HIV do Hospital das Clínicas da FMUSP, e vem participando de importantes estudos brasileiros de PrEP, como o iPrEX, Projeto PrEP Brasil, HPTN083 (PrEP injetável) e na implementação da PrEP no SUS. Está terminando seu doutorado na FMUSP e participa no processo de formação acadêmica de alunos de graduação e médicos residentes no Hospital das Clínicas. Também atua na difusão de informações dentro da temática de HIV e ISTs no Brasil, desenvolvendo atividades com ONGs, portais de comunicação, agências de notícias, seminários de educação comunitária e onde mais existir alguém que tenha vida sexual ativa e possua interesse em discutir, sem paranoias, como torná-la mais saudável.

Sobre o blog

Com uma abordagem moderna e isenta de moralismo sobre HIV e ISTs, dois assuntos que tradicionalmente são soterrados por tabus e preconceitos, Rico Vasconcelos pretende discutir aqui, de maneira leve e acessível, o que há de mais atual e embasado cientificamente circulando pelo mundo. Afinal, saber o que realmente importa sobre esse tema é o que torna uma pessoa capaz de gerenciar sua própria vulnerabilidade ao longo da vida sexual. Podendo assim encontrar as melhores maneiras para manter qualidade no sexo, e minimizar os prejuízos físicos e psicológicos associados ao HIV e ISTs.