Estudo mostra que com a PrEP as pessoas transam mais sem camisinha. E daí?
Diante de uma epidemia de HIV que ainda registra quase 2 milhões de novos casos por ano em todo mundo, é fácil concluir que estamos falhando nas estratégias de prevenção.
É nesse contexto que, há alguns anos, percebeu-se que não será uma estratégia que sozinha, como a camisinha, vai conseguir controlar a disseminação do vírus pelo mundo. Muito menos se o seu uso não agradar a toda a população.
Entende-se agora, com a prevenção combinada, que as melhores estratégias de prevenção contra o HIV são aquelas que o indivíduo escolhe. Aquelas que compreende como funcionam, e que é capaz de usar de maneira correta e constante.
Pela primeira vez compreendemos que a prevenção funciona melhor se dermos autonomia para a pessoa combinar as ferramentas que cabem na sua vida. E assim, quanto mais opções de prevenção tivermos, maior a chance de contemplar todos os tipos de pessoas e estilos de vida.
Nesse cenário, a PrEP (Profilaxia Pré-Exposição ao HIV), uma das estratégias mais potentes já desenvolvidas até hoje para impedir que uma pessoa se infecte pelo HIV, entra em campo como ferramenta adicional de prevenção. Mudando a trajetória mundial da epidemia, mas também causando polêmica e divergência na população e comunidade científica.
Que a PrEP protege do HIV incrivelmente os indivíduos que têm boa adesão aos seus comprimidos, mesmo com o uso inconsistente do preservativo, ninguém mais tem dúvidas. E isso sem riscos de causar efeitos colaterais graves. A discussão agora vem de outros desdobramentos que a implementação da estratégia pode causar.
Entre as principais preocupações relacionadas ao uso da PrEP está a compensação de risco, nome dado a desinibição de comportamentos de maior vulnerabilidade em uma pessoa, motivada pelo uso de uma estratégia que a protege do HIV.
No início do ano foi publicado no Clinical Infectious Diseases um trabalho que analisou conjuntamente 13 estudos realizados anteriormente de PrEP e encontrou dados divergentes quanto à ocorrência de compensação de risco entre os seus participantes.
Ainda assim foi possível concluir que, quando ocorre, a desinibição está presente em apenas alguns subgrupos de usuários de PrEP. Não foi, por exemplo, verificado aumento na proporção de pessoas referindo relações sexuais sem preservativo. Em outras palavras, a PrEP pode provocar algum grau de desinibição do sexo sem camisinha, mas apenas entre aqueles que já a utilizavam de maneira inconsistente.
Lembrem-se que as pessoas que não usavam o preservativo em 100% das vezes já existiam antes da PrEP. E que, para elas, a PrEP é atualmente a melhor maneira existente para reduzir suas vulnerabilidades ao HIV.
Em relação às outras ISTs (Infecções Sexualmente Transmissíveis), esse mesmo estudo mostrou que a PrEP não provoca o aumento de seus diagnósticos como um todo. Existe apenas aumento nas ISTs ano-retais, principalmente por clamídia, uma bactéria facilmente tratável com antibiótico. Afinal, é natural que se encontre mais ISTs se começarmos a testar de maneira rotineira as pessoas vulneráveis que antes não eram testadas.
Para as ISTs bacterianas (sífilis, gonorreia e clamídia), nada melhor que diagnosticar, tratar e curar. E assim, quebrar a sua cadeia de transmissão. Inclusive, se os usuários de PrEP forem rastreados para clamídia e gonorreia a cada 3 meses, e tratados quando positivos – mesmo quando não apresentam sintomas – em 10 anos a incidência dessas doenças deverá cair em cerca de 40%, segundo outro estudo da mesma revista científica publicado no final de 2017.
Por isso, até para as outras ISTs a PrEP traz benefícios, com sua rotina de rastreamento e tratamento. Mesmo que ocorra compensação de risco entre alguns.
Num momento em que o plano anterior não funcionou, é preciso estar aberto para os novos conceitos de prevenção. É preciso entender que, mesmo com a compensação de risco, é possível controlar a epidemia de HIV. Na cidade de San Francisco nos EUA, por exemplo, após alguns anos da implementação da prevenção combinada, atingiu-se a redução sem precedentes de mais de 50% no número de novos casos de HIV.
É preciso entender que quando se dá autonomia para uma pessoa escolher suas estratégias de prevenção, ela deve ser respeitada e que isso não prejudica o coletivo, quando seguidas as orientações e rotinas estabelecidas.
E é preciso entender que, no mundo das ISTs, controlar a epidemia de HIV, que ainda causa 1 milhão de mortes decorrentes da Aids todos os anos, é a maior prioridade do mundo. A ciência está caminhando para isso. Não deixe seu julgamento, moralismo e preconceito impedi-la.
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