Associar HIV a LGBTs é reforçar estigmas?
Dificilmente, no Brasil, alguém conseguirá afirmar que a epidemia de HIV/Aids é uma questão de saúde urgente e prioritária para os LGBTs sem ser taxado por isso de "reprodutor de estigmas". Mas será que faz sentido essa reação automática e negativa à tentativa de chamar a atenção para a associação dessas populações ao HIV?
É natural que patrulha contra o estigma seja liderada por quem o sente.
A comunidade LGBT no Brasil conhece mais do que ninguém os estigmas que combate. E se ressente, com toda a razão, com o fato de que as instituições de saúde só olham para esse aspecto de suas vidas.
LGBTs, porém, têm muitas outras necessidades em saúde. Por exemplo, gays têm três vezes mais depressão – o que se relaciona com a não-aceitação social. E, mesmo no campo da saúde sexual, quase não se fala do exercício da sexualidade homoafetiva como natural. Ou mesmo se disponibiliza a terapia hormonal para pessoas trans.
Essas lacunas decorrem do fato de que ciência, entidades médicas e governos são dominados pela corrente da maioria. Que considera normal quem é cisgênero e heterossexual e anormal quem é transgênero, bissexual ou homossexual.
A associação entre HIV e LGBT é um dado estatístico, mas a interpretação desse fato e as soluções propostas podem variar. A ótica da vulnerabilidade defende que a falta de direitos deixa os LGBT vulneráveis e que, portanto, a garantia de direitos seria um importante caminho para a superação.
Mas, infelizmente, a leitura automática da maioria (muitas vezes LGBTfóbica) cai no raciocínio ultrapassado e ineficaz da criação dos 'grupos de risco'. Leitura que entende LGBT como um grupo desviante e sugere mais repressão como medida de controle.
Acontece que, infelizmente, além da concentração crescente de HIV entre gays, bis e pessoas trans, o número de mortes decorrentes do não acesso ao tratamento dessa infecção chama ainda mais a atenção.
De acordo com o último boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, no último ano, 12.366 pessoas morreram de Aids no Brasil. Sabendo que 70,7% dessas mortes ocorreram entre homens e que 46,1% dos casos de infecção por HIV acontecem entre homossexuais masculinos, percebemos que em torno de 4.030 homens gays e bis morreram em 2016 por essa causa.
Até recentemente os casos novos de infecção por HIV entre transgêneros não eram notificados separadamente dos homens que fazem sexo com homens, e assim não é possível determinar quantas pessoas trans morreram em decorrência da Aids. De qualquer modo, o número de mortes calculado entre gays e bis é cerca de 10 vezes maior que as mortes anuais motivadas por homo/transfobia.
Por isso, o assunto HIV/Aids é mais importante para a comunidade LGBT do que para qualquer outra. Ele precisa ser abraçado por todos os seus integrantes, devidamente empoderados e capacitados para enfrenta-lo de maneira franca e resolutiva.
A naturalização desse assunto, sem associação do HIV à culpa, vergonha ou pena, promoveria também o acolhimento daqueles que vivem com o HIV. E, com a população LGBT liderando a luta contra a sorofobia, se ampliaria o acesso às estratégias de prevenção e tratamento, com imediata redução desses números.
Lutar contra a exclusão de direitos e pela saúde integral da população LGBT é fundamental. Mas também é urgente a necessidade de engajamento de todos no tratamento e prevenção, para o controle da epidemia de novos casos de HIV e de mortes por Aids no Brasil. Afinal, dar atenção é o primeiro passo para acabar com o estigma.
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