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Rico Vasconcelos

O que Hepatite C tem a ver com Sexo? E com você?

Rico Vasconcelos

13/07/2018 04h00

crédito: iStock

Sempre que falo de outras Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), excluindo o HIV, percebo que aquela que mais aterroriza as pessoas é a hepatite C. Mas o que você conhece sobre esse vírus e a transmissão? Você sabia, por exemplo, que o Ministério da Saúde planeja erradicar o vírus no Brasil até 2030?

Esse otimismo, no entanto, depende de duas etapas para se tornar realidade. Primeiro, é preciso encontrar e diagnosticar todos os pacientes que vivem com o vírus. E depois curar todos eles. Estima-se que esse número no Brasil seja de cerca de 1 milhão de pessoas. Muitas delas ainda não foram diagnosticadas pois não tem nenhum sintoma e por isso não procuram atendimento no sistema de saúde.

A hepatite C é uma doença silenciosa que danifica o fígado se não tratada. Ela costuma causar sintomas somente muitos anos depois da infecção, quando já se encontra em fase avançada. Assim, a realização do exame e o diagnóstico precoce são passos fundamentais desse processo.

Uma vez identificados aqueles que têm hepatite C, o plano do governo é oferecer tratamento, já disponível no SUS, para todos eles, e assim fazer com que os números de novos casos e de mortes pela doença despenquem no país.

Essa segunda etapa só se tornou algo possível de alguns anos pra cá, quando foi desenvolvido um tratamento capaz, em mais de 90% dos casos, de eliminar o vírus do corpo dos pacientes, evitando assim a progressão da doença e a transmissão para novas pessoas.

Portanto, o plano apresentado pelo Ministério da Saúde não é complicado. Basta aumentar o número de diagnósticos e em seguida tratar todos os casos encontrados. Entretanto, não ser complicado não é o mesmo que ser fácil. Principalmente porque muitas vezes as pessoas que vivem com a hepatite C não frequentam o sistema de saúde brasileiro, ou mesmo as que frequentam, não se testam.

A transmissão da hepatite C está muito mais relacionada com sangue do que com sexo. Assim, transfusões que foram feitas antes de 1993 (quando não se testavam as bolsas), tatuagens ou piercings realizados sem as recomendações de biossegurança, uso de alicates de unha sem esterilização adequada, e compartilhamento de lâminas de barbear ou de agulhas e seringas para aplicação de medicamentos, silicone, hormônios ou drogas, são exemplos de situações com risco de transmissão do vírus.

Os estudos mostram que a transmissão sexual desse vírus pode se tornar mais frequente nas práticas em que existem mais chances de se lesionar a mucosa e/ou de se ter contato com sangue. Assim, existem casos descritos de transmissão através de sexo anal, com múltiplos parceiros, de fisting, na presença de outras ISTs e, em especial, quando a pessoa vive com HIV, que parece facilitar a transmissão sexual da hepatite C.

Outra situação emergente em que há relatos de transmissão desse vírus, também pelo mecanismo de lesão de mucosa, é no uso inalatório de drogas, principalmente quando se compartilha o canudo que entra em contato com a mucosa nasal.

Sabendo disso, podemos desde já fazer nossa parte dentro do projeto brasileiro de erradicação da doença e disseminar a importância da realização do teste por todos, em especial por aqueles que vivenciam situações com risco aumentado de transmissão.

Nunca estivemos numa situação tão favorável para vencermos a hepatite C. Encontre o posto de saúde mais próximo de você e faça já o teste rápido.

Sobre o autor

Médico Infectologista formado pela Faculdade de Medicina da USP, Rico Vasconcelos trabalha e estuda, desde 2007, sobre tratamento e prevenção do HIV e outras ISTs. É atualmente coordenador do SEAP HIV, o ambulatório especializado em HIV do Hospital das Clínicas da FMUSP, e vem participando de importantes estudos brasileiros de PrEP, como o iPrEX, Projeto PrEP Brasil, HPTN083 (PrEP injetável) e na implementação da PrEP no SUS. Está terminando seu doutorado na FMUSP e participa no processo de formação acadêmica de alunos de graduação e médicos residentes no Hospital das Clínicas. Também atua na difusão de informações dentro da temática de HIV e ISTs no Brasil, desenvolvendo atividades com ONGs, portais de comunicação, agências de notícias, seminários de educação comunitária e onde mais existir alguém que tenha vida sexual ativa e possua interesse em discutir, sem paranoias, como torná-la mais saudável.

Sobre o blog

Com uma abordagem moderna e isenta de moralismo sobre HIV e ISTs, dois assuntos que tradicionalmente são soterrados por tabus e preconceitos, Rico Vasconcelos pretende discutir aqui, de maneira leve e acessível, o que há de mais atual e embasado cientificamente circulando pelo mundo. Afinal, saber o que realmente importa sobre esse tema é o que torna uma pessoa capaz de gerenciar sua própria vulnerabilidade ao longo da vida sexual. Podendo assim encontrar as melhores maneiras para manter qualidade no sexo, e minimizar os prejuízos físicos e psicológicos associados ao HIV e ISTs.