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Rico Vasconcelos

Mycoplasma genitalium: o que devemos aprender com essa "nova" IST?

Rico Vasconcelos

20/07/2018 04h00

Crédito: iStock

Na última semana circulou bastante pelas redes sociais a notícia de que uma nova infecção sexualmente transmissível (IST), causada por uma "superbactéria resistente aos antibióticos", pouco conhecida pelos médicos, se alastrava pela Europa.

A maior parte dessa história na verdade está um pouco equivocada, mas ela não deixa de ser uma excelente oportunidade para se discutir o controle de ISTs no Brasil e no mundo. Veja o que você precisa saber sobre esse assunto e o que devemos aprender com ele:

O Mycoplasma genitalium (MG) já é bastante conhecido pela infectologia desde 1980, quando foi descrito pela primeira vez. Faz parte das bactérias atipicamente transmitidas por via sexual. Tem sua via de transmissão muito semelhante à de suas colegas, muito mais frequentes, gonorreia e clamídia. Isso significa que pode ser facilmente transmitida por qualquer prática sexual penetrativa, incluindo o sexo oral.

Por muito tempo não foi motivo de preocupação, porque não estava associado a doenças graves e nem sequelas. Chegou-se, por um período, a se discutir até mesmo se seria necessário tratamento quando essa bactéria era encontrada, já que na grande maioria dos casos se apresentava como uma infecção assintomática.

Hoje em dia já não se tem mais essa dúvida. Na última década, diversos trabalhos conseguiram associar a infecção por MG a uretrites em homens e a quadros de infecções ginecológicas, aborto e até mesmo esterilidade em mulheres.

Em resumo, o MG é uma bactéria facilmente transmitida por sexo, mas que causa problemas mais sérios à saúde em apenas uma pequena porção dos indivíduos infectados.

Ele ainda é responsável por uma pequena parcela das ISTs, com cerca de apenas 20% das uretrites que não são causadas nem pelo gonococo nem pela clamídia. E não está se alastrando na Europa e nem no Brasil.

Por outro lado, o atual motivo do alerta europeu sobre a bactéria vem do aumento encontrado na proporção de MG que já são resistentes ao antibiótico de escolha para seu tratamento. Segundo uma recente pesquisa inglesa, em torno de 40% das cepas estudadas já eram resistentes à Azitromicina.

Antes que alguém já comece a procurar culpados para esse fato, é preciso entender que o que faz a resistência aos antibióticos aumentar não é o sexo, e sim, o uso inadequado dos antibióticos no tratamento dessas bactérias.

Quando uma IST bacteriana é diagnosticada e tratada de maneira correta, ela é curada. Sem que aconteça a seleção de resistência antimicrobiana e possibilitando a quebra da sua cadeia de transmissão. Mas, se a bactéria é exposta a um antibiótico errado, à dose errada ou ao tempo errado de tratamento, pode ocorrer a seleção de resistência à droga.

E aí nos deparamos com o real ponto que deve ser observado nessa história. Nem no Brasil nem na maioria dos países do mundo existem disponíveis de maneira ampla os testes capazes de diagnosticar o MG ou mesmo sua resistência aos antibióticos.

Dessa maneira, quando usamos apenas os sintomas para se fazer o diagnóstico presuntivo de uma IST, por várias vezes tratamos um MG equivocadamente como se fosse, por exemplo, uma clamídia. Ou mesmo, quando uma pessoa, que é portadora assintomática do MG, usa um antibiótico para melhorar, por exemplo, sua acne, está também tratando de maneira inadequada o MG. E isso sim faz a sua resistência aos antibióticos aumentar.

O fenômeno do MG expõe uma falha séria e antiga no enfrentamento das ISTs no Brasil e no mundo, que é a falta de rastreamento adequado e periódico dos indivíduos – inclusive os assintomáticos – com tratamento correto, proporcionando a resolução da questão. Se isso fosse feito, tanto a transmissão das ISTs quanto a emergência de resistência aos antibióticos seriam resolvidas.

Com o intuito de melhorar suas rotinas e recomendações na abordagem das ISTs, o Ministério da Saúde atualizou recentemente seu Protocolo Clínico de ISTs, o que está agora disponível para consulta pública (Consulta nº 34) antes de sua implementação. Durante esse período, qualquer cidadão pode emitir sua opinião para melhorar o documento.

Mycoplasma genitalium ainda pode ser tratado com outros antibióticos e não deve ser motivo de desespero para ninguém. Vamos aproveitar o seu caso para tentar fazer as coisas do jeito correto para se obter o controle real da disseminação das ISTs.

Contribua na consulta pública do Ministério, crie o hábito de se rastrear periodicamente para as ISTs, conheça todas as ferramentas disponíveis na prevenção e descubra que desse jeito você estará contribuindo muito mais na luta contra as ISTs do que apenas tentando usar a camisinha.

Sobre o autor

Médico Infectologista formado pela Faculdade de Medicina da USP, Rico Vasconcelos trabalha e estuda, desde 2007, sobre tratamento e prevenção do HIV e outras ISTs. É atualmente coordenador do SEAP HIV, o ambulatório especializado em HIV do Hospital das Clínicas da FMUSP, e vem participando de importantes estudos brasileiros de PrEP, como o iPrEX, Projeto PrEP Brasil, HPTN083 (PrEP injetável) e na implementação da PrEP no SUS. Está terminando seu doutorado na FMUSP e participa no processo de formação acadêmica de alunos de graduação e médicos residentes no Hospital das Clínicas. Também atua na difusão de informações dentro da temática de HIV e ISTs no Brasil, desenvolvendo atividades com ONGs, portais de comunicação, agências de notícias, seminários de educação comunitária e onde mais existir alguém que tenha vida sexual ativa e possua interesse em discutir, sem paranoias, como torná-la mais saudável.

Sobre o blog

Com uma abordagem moderna e isenta de moralismo sobre HIV e ISTs, dois assuntos que tradicionalmente são soterrados por tabus e preconceitos, Rico Vasconcelos pretende discutir aqui, de maneira leve e acessível, o que há de mais atual e embasado cientificamente circulando pelo mundo. Afinal, saber o que realmente importa sobre esse tema é o que torna uma pessoa capaz de gerenciar sua própria vulnerabilidade ao longo da vida sexual. Podendo assim encontrar as melhores maneiras para manter qualidade no sexo, e minimizar os prejuízos físicos e psicológicos associados ao HIV e ISTs.