Como uma eleição pode influenciar na epidemia de HIV?
A política de tratamento e prevenção do HIV adotada por um país é um fator determinante da maneira como esse vírus se dissemina em sua população e, como consequência, da mortalidade encontrada nele por complicações da Aids.
Um exemplo que tragicamente demonstrou ao mundo que essa afirmação é verdadeira foi a eleição do presidente Thabo Mbeki, em 1999 na África do Sul.
No final dos anos 1990, a comunidade científica internacional estava vivendo um momento de euforia por conta dos resultados de estudos que mostravam que era possível, com a associação de medicamentos antirretrovirais, interromper a multiplicação do HIV no corpo de um indivíduo, mantendo sua carga viral indetectável e permitindo a recuperação da imunidade e de uma vida com qualidade e saúde.
Alguns anos depois, foi demonstrado que o uso dos antirretrovirais também fazia com que a chance de transmissão vertical do HIV (de mãe para filho) caísse até zero.
Com essas informações na mão, era de se esperar que a África do Sul, que naquele momento enfrentava uma epidemia de HIV em expansão, acometendo pesadamente a população de mulheres heterossexuais e seus filhos, passasse a recomendar e financiar o tratamento antirretroviral para os seus habitantes que vivessem com HIV. Porém, não foi isso que aconteceu.
O presidente Thabo Mbeki, por convicções pessoais, acreditava que o HIV não era o agente causador da doença Aids, e sim fatores sociais, como pobreza, desnutrição, o uso de álcool e outras drogas. No seu raciocínio, para vencer a Aids no seu país, não eram necessários medicamentos antirretrovirais, bastava combater a desigualdade social e o colonialismo imposto pelos países europeus aos africanos. E assim, segundo Mbeki, a garantia de uma vida saudável faria o povo sul-africano deixar de adoecer e morrer.
O posicionamento do presidente foi bastante contestado pelas autoridades de saúde mundiais e por parte da população sul-africana. Apesar disso, durante o seu mandato, por falta de apoio político e financiamento, não houve implementação nem ampliação de um programa de acesso público ao tratamento antirretroviral na África do Sul.
O mandato de Mbeki terminou em 2008 e somente a partir de então a terapia antirretroviral passou a ser amplamente distribuída no país. Estima-se que somente no início dos anos 2000, a negação das evidências científicas e o atraso na implementação desse tratamento fizeram com que mais de 300.000 pessoas morressem de Aids naquele país.
O resultado dessa década de rápida expansão da epidemia de HIV ainda se encontra presente na África do Sul, que registra hoje mais de 7 milhões de pessoas vivendo com o vírus, o que corresponde a uma prevalência de 18% da população geral de 15 a 49 anos de idade.
O Brasil tem hoje um perfil epidemiológico semelhante ao da África do Sul na década de 80, com prevalência de infecção por HIV na população geral em torno de 0,4%. Estamos assim até hoje devido ao empenho do Ministério da Saúde e da sociedade civil organizada para garantir a atenção à saúde necessária.
A população da África do Sul já entendeu a importância do compromisso dos governantes quanto às políticas de enfrentamento do HIV. A brasileira está aprendendo essa lição e ainda precisa exigir de qualquer governante a continuidade desse compromisso.
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