Topo

Rico Vasconcelos

Gonorreia é transmitida até no sexo oral. Como vencer a doença?

Rico Vasconcelos

16/11/2018 04h00

Crédito: iStock

No ano passado a Organização Mundial da Saúde estima que tenham ocorrido quase 100 milhões de casos de gonorreia em todo o mundo. Isso faz com que essa seja a segunda infecção sexualmente transmissível (IST) mais frequente do planeta.

Sua bactéria causadora, a Neisseria gonorrhoeae, já é conhecida pelos seres humanos há muitos séculos, mas, de alguns anos para cá, passou a ser um dos maiores motivos de preocupação da comunidade científica internacional devido à sua capacidade de desenvolver resistência aos antibióticos que anteriormente eram usados com sucesso para seu tratamento.

Depois de um primeiro momento de alarmismo e desespero, muitas vezes noticiado na imprensa utilizando o termo sensacionalista "super-gonorreia", as boas notícias começam a chegar como resultado da mobilização organizada de pesquisadores, centros de pesquisa e órgãos governamentais. Novas ferramentas promissoras para tratamento e prevenção já se encontram em fase de pesquisa e deverão estar disponíveis nos próximos anos.

Um exemplo é o estudo realizado na Nova Zelândia que pretendia testar uma vacina contra Neisseria meningitidis, bactéria causadora da meningite meningocócica. Nele, descobriu-se de maneira inesperada que a vacinação reduzia em 30% as infecções por gonorreia. Os cientistas acreditam que esse resultado pode ter ocorrido pelo fato de as duas bactérias serem "parentes" e terem proteínas semelhantes.

Sabendo disso, recentemente pesquisadores de Oregon, nos EUA, trataram de mapear todas as proteínas dessas bactérias e encontraram mais de mil candidatas para o desenvolvimento de novas vacinas para uso na prevenção da IST.

Além disso, um estudo publicado essa semana demonstrou que uma nova droga chamada Zoliflodacina foi eficaz para tratamento de gonorreia. E a boa notícia é que esse antibiótico continua funcionando tanto para as cepas de N. gonorrhoeae que tinham se tornado resistentes aos antibióticos atuais – a "supergonorreia" –  quanto para as bactérias mais comuns causadoras de ISTs (Chlamydia trachomatis e Mycoplasma genitalium).

A primeira coisa que precisamos compreender sobre esse assunto é que não é o sexo, muito menos o sexo sem camisinha, que provoca o desenvolvimento de resistência aos antibióticos na gonorreia. Isso é decorrente de complexos mecanismos de defesa da bactéria que são potencializados pelo uso inadequado desses medicamentos.

Quando uma bactéria é tratada com o antibiótico certo, na dose certa e pelo tempo certo, ela morre sem se tornar resistente. Por outro lado, o uso errado desses medicamentos ajudará na seleção e crescimento das resistentes.

A culpa da resistência da gonorreia aos antibióticos é muito mais de quem os prescreve do que dos que se infectam com a bactéria.

Outro ponto importante para se compreender o controle dessa IST é que ela é transmitida com muita facilidade entre as pessoas, mesmo quando a camisinha é usada na penetração vaginal ou anal. O sexo oral desprotegido então é uma das principais vias de disseminação da bactéria.

Por fim, é importante saber que uma pessoa pode ser portadora da gonorreia e transmiti-la para seus parceiros, sem ter absolutamente nenhum sintoma, o que torna o seu controle ainda mais complicado.

Compreendido então que a questão da gonorreia é bem mais complexa do que parece e vai muito além de um simples "use camisinha", a proposta atual de enfrentamento dessa epidemia é usar o preservativo o máximo que conseguir. Mas também criar a rotina de rastreamento periódico para essa bactéria, realizando o tratamento correto quando for feito o diagnóstico.

Só assim, com o uso inteligente das novas ferramentas que se encontram em desenvolvimento, poderemos atingir o controle da disseminação da gonorreia sem que elas se tornem rapidamente obsoletas em decorrência da resistência bacteriana.

Sobre o autor

Médico Infectologista formado pela Faculdade de Medicina da USP, Rico Vasconcelos trabalha e estuda, desde 2007, sobre tratamento e prevenção do HIV e outras ISTs. É atualmente coordenador do SEAP HIV, o ambulatório especializado em HIV do Hospital das Clínicas da FMUSP, e vem participando de importantes estudos brasileiros de PrEP, como o iPrEX, Projeto PrEP Brasil, HPTN083 (PrEP injetável) e na implementação da PrEP no SUS. Está terminando seu doutorado na FMUSP e participa no processo de formação acadêmica de alunos de graduação e médicos residentes no Hospital das Clínicas. Também atua na difusão de informações dentro da temática de HIV e ISTs no Brasil, desenvolvendo atividades com ONGs, portais de comunicação, agências de notícias, seminários de educação comunitária e onde mais existir alguém que tenha vida sexual ativa e possua interesse em discutir, sem paranoias, como torná-la mais saudável.

Sobre o blog

Com uma abordagem moderna e isenta de moralismo sobre HIV e ISTs, dois assuntos que tradicionalmente são soterrados por tabus e preconceitos, Rico Vasconcelos pretende discutir aqui, de maneira leve e acessível, o que há de mais atual e embasado cientificamente circulando pelo mundo. Afinal, saber o que realmente importa sobre esse tema é o que torna uma pessoa capaz de gerenciar sua própria vulnerabilidade ao longo da vida sexual. Podendo assim encontrar as melhores maneiras para manter qualidade no sexo, e minimizar os prejuízos físicos e psicológicos associados ao HIV e ISTs.