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Rico Vasconcelos

Trump anuncia que vai eliminar o HIV até 2030, mas não convence ninguém

Rico Vasconcelos

15/02/2019 04h00

Crédito: Kevin Lamarque/Reuters

No último dia 5 de fevereiro, o presidente dos Estados Unidos Donald Trump anunciou um plano ambicioso de controlar a epidemia de HIV no seu país até 2030, mas a comunidade científica e os ativistas da luta contra o HIV/Aids receberam a notícia de maneira desconfiada.

O plano vem embalado pelo ânimo com os bons resultados obtidos pelas localidades que expandiram de maneira significativa o acesso às novas tecnologias e estratégias de prevenção, como a testagem rotineira para o HIV, a PEP, a PrEP e o tratamento antirretroviral para todos aqueles diagnosticados com o vírus.

Um exemplo desse sucesso é a cidade de Nova Iorque, nos Estados Unidos, que conseguiu, somente entre 2013 e 2017, reduzir o número de novos casos da infecção em 36% usando essas medidas.

De fato, a ciência já sabe como eliminar o HIV. Em dezembro de 2013, logo após o mundo conhecer os resultados dos primeiros estudos que demonstraram que, quando tratada adequadamente, uma pessoa que vive com HIV não apresenta risco de transmissão do seu vírus por via sexual, o UNAIDS – programa da ONU para o enfrentamento do HIV/Aids – propôs ao mundo a meta 90-90-90.

Nessa meta, até 2020, 90% das pessoas vivendo com HIV precisariam ter sido diagnosticadas, 90% dessas deveriam estar em terapia antirretroviral e 90% delas estar com a sua carga viral indetectável, marcador laboratorial de sucesso do tratamento.

Se a meta fosse atingida, os cálculos estatísticos e epidemiológicos indicavam que, em 2030, teríamos zerado os novos casos dessa infecção e, portanto, controlado a epidemia de HIV. Além disso, a associação do Tratamento como Prevenção, nome dado a essa estratégia, ao uso da PrEP e PEP potencializa as chances de sucesso.

Em 2019, faltando apenas um ano para o fim do prazo proposto pelo UNAIDS, temos no mundo 75% das pessoas vivendo com HIV sabendo do seu diagnóstico, 80% delas em tratamento e apenas 78% dessas com carga viral indetectável. Por causa disso, somente em 2017 foram registrados 1.8 milhões de novos casos de infecção por HIV em todo mundo.

O que causou esse fracasso? Principalmente a falta de comprometimento político e de investimento na área.

A desconfiança que paira sobre o plano do presidente norte-americano existe, primeiro porque para atingir sua meta, serão necessários muito mais recursos do que os atualmente investidos. Mas também porque, mais do que dinheiro e antirretrovirais, é necessário desenvolver toda uma agenda de inclusão social e luta contra o estigma das populações mais vulnerabilizadas à epidemia.

Nesses pontos, o governo de Trump está avançando na contramão. Nos últimos anos cortou recursos para o HIV, desmontou o já restrito e enfraquecido sistema público de saúde norte-americano, e agiu de modo a aumentar a discriminação de minorias, como os LGBTs.

Nova Iorque, assim como San Francisco e Sydney, está tendo sucesso até agora no controle do HIV porque entendeu a importância e não deixou de cumprir nenhuma dessas etapas.

No Brasil, segundo o último Relatório de Monitoramento Clínico do HIV do Ministério da Saúde, temos 84% das pessoas que vivem com HIV sabendo do seu diagnóstico, 75% delas em terapia antirretroviral e quase 92% daqueles em tratamento com carga viral indetectável.

Não estamos tão mal, porém com a pauta conservadora que pretende ser introduzida no congresso nacional, e sem a ampliação necessária de investimentos, seremos certamente reprovados em 2020 nas metas exigidas pela ONU.

Sobre o autor

Médico Infectologista formado pela Faculdade de Medicina da USP, Rico Vasconcelos trabalha e estuda, desde 2007, sobre tratamento e prevenção do HIV e outras ISTs. É atualmente coordenador do SEAP HIV, o ambulatório especializado em HIV do Hospital das Clínicas da FMUSP, e vem participando de importantes estudos brasileiros de PrEP, como o iPrEX, Projeto PrEP Brasil, HPTN083 (PrEP injetável) e na implementação da PrEP no SUS. Está terminando seu doutorado na FMUSP e participa no processo de formação acadêmica de alunos de graduação e médicos residentes no Hospital das Clínicas. Também atua na difusão de informações dentro da temática de HIV e ISTs no Brasil, desenvolvendo atividades com ONGs, portais de comunicação, agências de notícias, seminários de educação comunitária e onde mais existir alguém que tenha vida sexual ativa e possua interesse em discutir, sem paranoias, como torná-la mais saudável.

Sobre o blog

Com uma abordagem moderna e isenta de moralismo sobre HIV e ISTs, dois assuntos que tradicionalmente são soterrados por tabus e preconceitos, Rico Vasconcelos pretende discutir aqui, de maneira leve e acessível, o que há de mais atual e embasado cientificamente circulando pelo mundo. Afinal, saber o que realmente importa sobre esse tema é o que torna uma pessoa capaz de gerenciar sua própria vulnerabilidade ao longo da vida sexual. Podendo assim encontrar as melhores maneiras para manter qualidade no sexo, e minimizar os prejuízos físicos e psicológicos associados ao HIV e ISTs.