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Rico Vasconcelos

Saiba como 80% dos casos de HIV poderiam ser evitados

Rico Vasconcelos

22/03/2019 04h00

Todo o esforço para ampliar a cobertura da testagem de HIV é bem-vindo para evitar novos casos | Crédito: iStock

Essa semana está acontecendo em Atlanta, nos Estados Unidos, a Conferência Nacional de Prevenção de HIV, organizada pelo CDC – Centers for Disease Control and Prevention – o órgão americano responsável pelo controle das epidemias de doenças infecciosas. A slogan dessa edição da conferência é "Getting to No New HIV Infections", que pode ser traduzido para "Chegando a nenhuma nova infecção por HIV".

O slogan pode parecer otimista, mas ele foi escolhido para nos lembrar que as ferramentas necessárias para que não tenhamos mais nenhum novo caso de infecção por HIV no mundo já existem.

Nessa conferência, foi apresentada uma interessante análise dos números da epidemia americana de HIV que mostra bem isso. A revisão dos dados epidemiológicos americanos mostrou que, no ano de 2016, cerca de 80% dos novos casos registrados dessa infecção foram transmitidos a partir de pessoas que desconheciam o seu diagnóstico ou que não tinham ainda se vinculado ao tratamento antirretroviral.

Naquele ano, os 15% das pessoas que viviam com HIV que ainda não sabiam do seu diagnóstico, foram a fonte da transmissão para 38% dos casos novos registrados nos Estados Unidos. E os indivíduos que sabiam do seu diagnóstico, mas não haviam iniciado o seu tratamento, que correspondiam a 23% daqueles com HIV, transmitiram o vírus para 43% dos casos novos.

De fato, já sabemos desde o início dessa década que tratar as pessoas que vivem com HIV é uma potente estratégia de prevenção, já que o tratamento, quando adequado, reduz a zero o risco de transmissão sexual do vírus, mesmo quando o preservativo não é usado. A isso damos o nome de Tratamento como Prevenção.

Se então as pessoas que vivem com HIV nos Estados Unidos tivessem sido diagnosticadas e se estivessem em uso do tratamento antirretroviral em 2016, além de se manterem com saúde, 81% dos novos casos de infecção por HIV naquele país teriam sido evitadas.

Os Estados Unidos têm uma epidemia de HIV que em muitos aspectos se assemelha à brasileira. Aqui, segundo o Ministério da Saúde, temos 16% das pessoas infectadas ainda sem conhecimento do seu diagnóstico. E, das diagnosticadas, 25% ainda não estão em tratamento antirretroviral, o que nos faz imaginar que fenômeno parecido ao apontado no estudo pode estar acontecendo no Brasil.

Assim, como já discutido nessa coluna, todo esforço para ampliar a cobertura da testagem de HIV é bem-vindo. Entretanto, não se pode cair no erro de considerar que essa epidemia existe por causa das pessoas que vivem com HIV. Ou mesmo que o seu controle é uma responsabilidade delas. O Tratamento como Prevenção é apenas um dos componentes da Prevenção Combinada.

A saúde e a prevenção são responsabilidade de todos nós. Quando abordadas conjuntamente se potencializam e podem obter os melhores resultados.

Se teste, se trate, se cuide e se previna, pois só assim chegaremos a nenhuma nova infecção por HIV.

Sobre o autor

Médico Infectologista formado pela Faculdade de Medicina da USP, Rico Vasconcelos trabalha e estuda, desde 2007, sobre tratamento e prevenção do HIV e outras ISTs. É atualmente coordenador do SEAP HIV, o ambulatório especializado em HIV do Hospital das Clínicas da FMUSP, e vem participando de importantes estudos brasileiros de PrEP, como o iPrEX, Projeto PrEP Brasil, HPTN083 (PrEP injetável) e na implementação da PrEP no SUS. Está terminando seu doutorado na FMUSP e participa no processo de formação acadêmica de alunos de graduação e médicos residentes no Hospital das Clínicas. Também atua na difusão de informações dentro da temática de HIV e ISTs no Brasil, desenvolvendo atividades com ONGs, portais de comunicação, agências de notícias, seminários de educação comunitária e onde mais existir alguém que tenha vida sexual ativa e possua interesse em discutir, sem paranoias, como torná-la mais saudável.

Sobre o blog

Com uma abordagem moderna e isenta de moralismo sobre HIV e ISTs, dois assuntos que tradicionalmente são soterrados por tabus e preconceitos, Rico Vasconcelos pretende discutir aqui, de maneira leve e acessível, o que há de mais atual e embasado cientificamente circulando pelo mundo. Afinal, saber o que realmente importa sobre esse tema é o que torna uma pessoa capaz de gerenciar sua própria vulnerabilidade ao longo da vida sexual. Podendo assim encontrar as melhores maneiras para manter qualidade no sexo, e minimizar os prejuízos físicos e psicológicos associados ao HIV e ISTs.