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Rico Vasconcelos

46% dos brasileiros não usam camisinha sempre em relações casuais

Rico Vasconcelos

17/05/2019 04h00

Crédito: iStock

Por décadas a camisinha foi o principal pilar das campanhas de prevenção de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) ao redor do mundo. Entretanto, apesar do seu uso ser bastante eficaz para manter alguém livre dessas infecções, isoladamente a camisinha não foi capaz até hoje de conter nenhuma dessas epidemias.

O motivo disso é simples: a camisinha só funciona para prevenção de ISTs se for usada sempre, de maneira correta e constante. E apenas parte da população consegue fazer isso.

Essa conclusão parece óbvia, porém, somente depois de 30 anos de uma epidemia sempre crescente de HIV, pudemos compreender que fazer o mundo inteiro usar o preservativo em todas as relações sexuais de suas vidas é uma utopia. Foi só então que começamos a desenvolver ferramentas adicionais de prevenção combinada, como o tratamento das pessoas que já vivem com HIV, a PrEP e a PEP.

Nessa coluna, a enorme maioria dos comentários deixados nos textos em que escrevo diz a mesma coisa. "É só usar camisinha". Mas será que os leitores sabem como as pessoas andam usando a camisinha no mundo real? E mais do que isso, como esse uso variou nos últimos anos?

Aqui no Brasil, não há falta de informação sobre a camisinha. Num estudo brasileiro de 2017 que aplicou a 1.187 pessoas um questionário avaliando o conhecimento sobre prevenção do HIV, 99,4% dos entrevistados relataram reconhecer o uso consistente do preservativo como método preventivo eficaz. E mesmo assim, menos de 80% tinham intenção de usá-la.

Portanto, saber que a camisinha protege não é suficiente. É preciso usá-la.

O uso do preservativo tem sido avaliado periodicamente pelo Ministério da Saúde por meio das PCAPs (Pesquisas de Conhecimentos Atitudes e Práticas na População Brasileira). Na última PCAP, realizada em 2013, foram entrevistadas 12.000 pessoas de 15 a 64 anos de idade em todo país.

Dentre as várias perguntas realizadas, havia uma que questionava sobre o uso do preservativo em todas as relações sexuais com parcerias casuais nos 12 meses que antecederam o inquérito. Responderam afirmativamente apenas 54% dos respondentes.

Isso significa que apenas metade da população brasileira está conseguindo se proteger apenas com a camisinha.

Um estudo norte-americano publicado esse mês na revista científica Archives of Sexual Behavior tentou investigar ainda mais a fundo esse assunto e encontrar as tendências existentes no uso da camisinha. Jovens gays e bissexuais, durante a transição da adolescência para a vida adulta, foram acompanhados por alguns anos e entrevistados, em diferentes momentos da última década, na cidade de Chicago, nos Estados Unidos.

Um dos achados foi que, apesar das campanhas estimulando o uso de preservativos, entre os jovens que começaram a ser seguidos a partir de 2015, diferentemente dos acompanhados anteriormente, houve redução significativa na frequência do uso da camisinha com o avançar da idade.

A camisinha, portanto, tem um papel crucial na prevenção entre aqueles que se adaptam a ela. Seu uso deve continuar sendo estimulado amplamente, pois assim estaremos garantindo a prevenção de cerca de metade da população. Mas não se pode ignorar o fato de que, para uma parte considerável das pessoas, a camisinha não resolve o problema da prevenção.

Dizer "é só usar camisinha" ou analisar o seu uso pelo viés moralista é simplificar a situação sem enxergar sua real complexidade. Sempre que isso é feito, os resultados desejados deixam de ser atingidos. E, nas epidemias de HIV e ISTs, as questões costumam ser mais complexas do que parecem.

Somente com a compreensão do contexto sexual da vida de cada indivíduo e com autonomia para que ele possa encontrar os seus melhores métodos de prevenção, chegaremos um controle efetivo da disseminação do HIV e outras ISTs.

Sobre o autor

Médico Infectologista formado pela Faculdade de Medicina da USP, Rico Vasconcelos trabalha e estuda, desde 2007, sobre tratamento e prevenção do HIV e outras ISTs. É atualmente coordenador do SEAP HIV, o ambulatório especializado em HIV do Hospital das Clínicas da FMUSP, e vem participando de importantes estudos brasileiros de PrEP, como o iPrEX, Projeto PrEP Brasil, HPTN083 (PrEP injetável) e na implementação da PrEP no SUS. Está terminando seu doutorado na FMUSP e participa no processo de formação acadêmica de alunos de graduação e médicos residentes no Hospital das Clínicas. Também atua na difusão de informações dentro da temática de HIV e ISTs no Brasil, desenvolvendo atividades com ONGs, portais de comunicação, agências de notícias, seminários de educação comunitária e onde mais existir alguém que tenha vida sexual ativa e possua interesse em discutir, sem paranoias, como torná-la mais saudável.

Sobre o blog

Com uma abordagem moderna e isenta de moralismo sobre HIV e ISTs, dois assuntos que tradicionalmente são soterrados por tabus e preconceitos, Rico Vasconcelos pretende discutir aqui, de maneira leve e acessível, o que há de mais atual e embasado cientificamente circulando pelo mundo. Afinal, saber o que realmente importa sobre esse tema é o que torna uma pessoa capaz de gerenciar sua própria vulnerabilidade ao longo da vida sexual. Podendo assim encontrar as melhores maneiras para manter qualidade no sexo, e minimizar os prejuízos físicos e psicológicos associados ao HIV e ISTs.