Por que devemos parar de usar o termo grupos de risco para o coronavírus
Desde que o novo coronavírus (SARS-CoV-2) começou a se espalhar pelo mundo, no final de dezembro de 2019, para a maior parte das perguntas que surgem em nossas cabeças sobre a covid-19, doença causada por ele, não existem ainda respostas certeiras ou seguras. Afinal, só o tempo e a ciência poderão encontrá-las para nós.
No entanto, depois da observação da passagem desse vírus pela China, Itália e Espanha, um dado que parece já estar sendo construído com robustez é a maneira como as formas mais graves dessa doença, e até mesmo a morte, se distribuem na população mundial.
Pessoas com idade mais avançada e portadoras de condições crônicas, como o diabetes e doenças cardíacas, pulmonares e renais, têm claramente sua saúde acometida pela covid-19 de forma mais intensa e frequente que o resto da população.
Esses e outros grupos são então chamados diversas vezes por dia de Grupos de Risco por profissionais da saúde e da comunicação e, acreditem, é nesse ponto de certeza do conhecimento acumulado sobre a covid-19 em que mais eu tenho me incomodado.
O incômodo sem dúvida vem do paralelo que faço com a história da pandemia do HIV. Durante a primeira década dessa história, no momento em que também tínhamos mais dúvidas do que respostas, já observávamos que as infecções por HIV e as mortes em decorrência da Aids, num momento em que não havia ainda tratamento antirretroviral eficaz, se concentravam de maneira desproporcional em alguns subgrupos da população.
Homens gays e bissexuais, mulheres transexuais e travestis, trabalhadores do sexo e usuários de drogas injetáveis eram alguns dos chamados Grupos de Risco para o HIV. Naquela época, essa classificação foi criada com o objetivo chamar a atenção dos seus integrantes para o risco aumentado que corriam de se infectarem com o novo vírus. Mas, em pouco tempo, passou a ser entendida equivocadamente, pela população geral, como grupos que apresentavam risco de transmitirem HIV para outras pessoas.
Com isso, uma abordagem que visava proteger indivíduos, acabou por torná-los isolados e estigmatizados. Causando, assim, uma enorme aversão em boa parte da população. Mais do que isso, ao delimitar as pessoas do mundo em Grupos de Risco criou-se, entre aqueles que ficaram de fora dessa classificação, uma falsa impressão de segurança e invulnerabilidade.
No caso da pandemia de SARS-CoV-2, isso é preocupante primeiro pois sem a real percepção de riscos e gravidade, uma pessoa que não faz parte dos Grupos de Risco pode achar que não precisa seguir as orientações de prevenção contra o vírus e acabar atuando como um disseminador da doença. Mas sobretudo porque essas pessoas podem também adoecer de forma grave. Só para exemplificar, essa semana em São Paulo, 50% das internações por covid-19 em UTIs eram de pessoas com menos de 60 anos de idade.
Da mesma forma que o HIV é importante não apenas para os gays, mas para todas as pessoas, e ainda mais para quem tem vida sexual ativa, o novo coronavírus também merece a atenção de qualquer pessoa desse planeta, principalmente daqueles que respiram.
Vamos valorizar o que a história nos ensinou com nossos erros e parar desde já de usar esse termo carregado de estigma e de interpretações equivocadas. Como substituto, recomendo "pessoas mais susceptíveis às formas graves da doença".
E para quem acha que esse cuidado com a terminologia é uma besteira, sugiro que procure conversar com uma pessoa que vive com HIV para entender como são frequentes as situações em que pequenos detalhes da linguagem podem ser agressivos e causar constrangimento.
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