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É seguro transar com uma pessoa que tem o vírus HIV indetectável?

Rico Vasconcelos

18/05/2018 04h00

Crédito: iStock

Por trabalhar com HIV tenho a oportunidade de ver, de perto e com detalhes, a maneira com que a as pessoas lidam com esse vírus em suas vidas. E me impressiono diariamente ao perceber que algumas histórias se repetem e, com elas, também os equívocos. Só o que muda são os personagens.

Um exemplo frequente disso –que me chama sempre a atenção — é o momento da revelação da soropositividade de uma pessoa para sua parceria, no início de um relacionamento sorodiferente – aquele em que um vive com HIV e o outro não.

Nesse caso, o equívoco recorrente a que me refiro está na reação de desespero da pessoa que recebe a notícia revelada. Desespero que vem do medo de pegar HIV quando, na verdade, não existem chances de isso acontecer se o soropositivo da relação está se tratando corretamente.

Sem dúvidas a preocupação com prevenção entre as pessoas que vivem com HIV costuma ser enorme. Um dos maiores temores que percebo ao conversar com esse público é o de um dia transmitir seu vírus a outra pessoa. E isso se torna ainda maior quando se trata de uma transmissão dentro de um relacionamento. De fato, em pesquisa publicada em 2015 no JAMA Internal Medicine, estimou-se que, em 91,5% dos casos novos de HIV, a infecção era proveniente um parceiro que ainda desconhecia sua soropositividade e que, portanto, não havia iniciado ainda seu tratamento.

O tratamento antirretroviral nessa equação é da maior importância, pois hoje não se tem mais dúvidas de que uma pessoa que tem boa adesão aos comprimidos do seu tratamento, e que por isso mantem a contagem de HIV zerada no seu sangue, não apresenta risco de transmissão do seu vírus por via sexual aos seus parceiros. Mesmo que a camisinha não seja usada. A esse fenômeno se dá o nome de Tratamento como Prevenção, que é usado no Brasil desde 2013 como estratégia de saúde pública para a redução dos novos casos de infecção pelo vírus.

A certeza dessa não-transmissão vem de três grandes estudos publicados a partir de 2012 (HPTN052, Partner e Opposites Attract). Nesses estudos, milhares de casais sorodiferentes foram acompanhados e, depois de um período de até 10 anos e quase 50.000 relações sexuais, não houve nem ao menos um único caso de transmissão do HIV por via sexual sem preservativo a partir de um indivíduo que se mantinha em tratamento antirretroviral com o vírus indetectável. E por isso é possível afirmar que Indetectável = Intransmissível.

É justamente por isso que não faz absolutamente nenhum sentido se desesperar no momento em que o seu crush disser que vive com HIV e que está com o seu vírus indetectável por conta do tratamento. Aliás, é muito mais seguro, em relação à prevenção do HIV, transar com pessoas soropositivas e indetectáveis do que com pessoas que desconhecem sua sorologia. Afinal, se tiverem pego HIV, não sabem disso ainda e nem estão se tratando, podendo, portanto, transmitir seu vírus numa relação sexual.

O Tratamento como Prevenção é uma maneira muito eficaz de prevenir a transmissão do HIV por via sexual e deve ser amplamente difundida para que todos os casais sorodiferentes possam contar com ela na hora de escolher as estratégias de prevenção que melhor encaixam em suas vidas.

As pesquisas comprovaram a sua eficácia e os órgãos governamentais, como o Ministério da Saúde e a Coordenação de ISTs e HIV do Estado de São Paulo, já reconhecem e recomendam essa estratégia de prevenção. Agora só falta cada um de nós se livrar da sorofobia que temos internalizada e parar de se desesperar sem motivo no momento em que deveria estar aproveitando a parte boa de um relacionamento.

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Sobre o autor

Médico Infectologista formado pela Faculdade de Medicina da USP, Rico Vasconcelos trabalha e estuda, desde 2007, sobre tratamento e prevenção do HIV e outras ISTs. É atualmente coordenador do SEAP HIV, o ambulatório especializado em HIV do Hospital das Clínicas da FMUSP, e vem participando de importantes estudos brasileiros de PrEP, como o iPrEX, Projeto PrEP Brasil, HPTN083 (PrEP injetável) e na implementação da PrEP no SUS. Está terminando seu doutorado na FMUSP e participa no processo de formação acadêmica de alunos de graduação e médicos residentes no Hospital das Clínicas. Também atua na difusão de informações dentro da temática de HIV e ISTs no Brasil, desenvolvendo atividades com ONGs, portais de comunicação, agências de notícias, seminários de educação comunitária e onde mais existir alguém que tenha vida sexual ativa e possua interesse em discutir, sem paranoias, como torná-la mais saudável.

Sobre o blog

Com uma abordagem moderna e isenta de moralismo sobre HIV e ISTs, dois assuntos que tradicionalmente são soterrados por tabus e preconceitos, Rico Vasconcelos pretende discutir aqui, de maneira leve e acessível, o que há de mais atual e embasado cientificamente circulando pelo mundo. Afinal, saber o que realmente importa sobre esse tema é o que torna uma pessoa capaz de gerenciar sua própria vulnerabilidade ao longo da vida sexual. Podendo assim encontrar as melhores maneiras para manter qualidade no sexo, e minimizar os prejuízos físicos e psicológicos associados ao HIV e ISTs.