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40% das travestis e mulheres transexuais vivem com HIV; como reduzir isso?

Rico Vasconcelos

19/10/2018 04h00

Crédito: iStock

A epidemia de HIV se dissemina de maneira completamente desproporcional na população brasileira e o subgrupo que, de longe, mais é afetado é o das travestis e mulheres transexuais. Entre elas, cerca de 40% já vivem com o vírus em São Paulo, enquanto na população geral essa prevalência fica em torno de 0,4%.

A principal causa desse disparate é a marginalização que a sociedade as impõe.

Essa foi uma das conclusões do Seminário #ForçaTrans – Juntxs Pela Cidadania de Travestis e Transexuais, realizado nessa semana pelo Programa de Educação Comunitária da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo). Nele, especialistas, homens e mulheres trans e travestis discutiram a cidadania no Brasil das pessoas transexuais em todos os seus eixos, as violações de direitos humanos dessa população e os possíveis caminhos para melhorar isso.

Em uma das mesas, que discutiu "Família e Escola", especialistas e representantes da ONG Mães pela Diversidade argumentaram que a defesa pela cidadania da pessoa trans deve se iniciar dentro de sua própria casa, com o respeito e o acolhimento da sua família. No entanto, é exatamente nesse ambiente que costumam ocorrer as primeiras violações de direitos humanos, com intolerância e ruptura de laços afetivos.

"Os pais não são ensinados a amar seus filhos LGBT no Brasil. São ensinados a odiá-los", disse Priscila Karin, uma das integrantes da ONG.

Em seguida, discutiu-se que, na escola, em geral se perpetua o não acolhimento e a violência em todas as suas formas, resultando na interrupção prematura dos estudos de muitas pessoas trans. Mas não por evasão, e sim por expulsão do ambiente escolar intolerante.

Privada do desenvolvimento familiar e escolar, a população trans terá mais dificuldades também para conseguir uma formação adequada, um emprego formal e construir uma carreira profissional. Com frequência, isso a coloca em situação de vulnerabilidade social extrema, vivendo na rua ou em centros de acolhida, abusando de álcool e outras drogas, e não restando outra alternativa para obter alguma renda senão a prostituição.

Todos esses círculos de exclusão agem como potentes determinantes sociais de vulnerabilização de travestis e mulheres trans à epidemia de HIV, uma vez que privam, da mesma maneira que no caso da homofobia, suas vítimas do acesso a um cuidado de saúde integral e de qualidade.

Acontece que, em nenhum desses círculos, a população trans é a culpada, mas em todos é discriminada e penalizada simplesmente por existir daquela maneira.

Esses fatores sociais impactam de maneira tão negativamente intensa na trajetória de vida de uma pessoa trans que, com um pouco de suporte para enfrentá-los, já é possível chegar a casos bem-sucedidos e de superação.

A Casa Florescer, o primeiro centro de acolhida do Brasil especializado para travestis e mulheres trans moradoras de rua, fundada em 2015 pela prefeitura de São Paulo, é um exemplo disso. Ao acolher, garantir segurança, moradia, alimentar e dar suporte multiprofissional para 205 moradoras desde sua fundação, já conseguiu resgatar a autonomia social e financeira de 52 delas, que hoje saíram das ruas, das drogas, trabalham e administram suas vidas sozinhas.

O respeito e o acolhimento sem discriminação à população trans é um dever de todos os brasileiros, começando pelo uso adequado do nome social e do gênero escolhidos pela pessoa, direitos adquiridos já com a aprovação em unanimidade do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça.

Para encerrar, transcrevo um trecho da fala de Raphaela Fini, mulher trans, assistente social, educadora comunitária e umas das organizadoras do seminário:

"(…)Pensar em saúde, educação e direitos da população trans, é falar de política e resistência. Cidadania plena é um direito de todxs. Da mesma forma que o direito de ir e vir, de ser e se expressar como assim desejar.

A cidadania e a dignidade de travestis e transexuais não é dada. É conquistada à base de luta, força, perseverança, resiliência e principalmente de união.

Sem luta, não há conquistas. Estamos na dianteira da transformação social(…)"

Pense nisso. E, se não concorda, saiba que está contribuindo em aumentar a vulnerabilidade social das pessoas trans e para manter o Brasil como o recordista mundial em mortes motivadas por transfobia.

#ForçaTrans

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Sobre o autor

Médico Infectologista formado pela Faculdade de Medicina da USP, Rico Vasconcelos trabalha e estuda, desde 2007, sobre tratamento e prevenção do HIV e outras ISTs. É atualmente coordenador do SEAP HIV, o ambulatório especializado em HIV do Hospital das Clínicas da FMUSP, e vem participando de importantes estudos brasileiros de PrEP, como o iPrEX, Projeto PrEP Brasil, HPTN083 (PrEP injetável) e na implementação da PrEP no SUS. Está terminando seu doutorado na FMUSP e participa no processo de formação acadêmica de alunos de graduação e médicos residentes no Hospital das Clínicas. Também atua na difusão de informações dentro da temática de HIV e ISTs no Brasil, desenvolvendo atividades com ONGs, portais de comunicação, agências de notícias, seminários de educação comunitária e onde mais existir alguém que tenha vida sexual ativa e possua interesse em discutir, sem paranoias, como torná-la mais saudável.

Sobre o blog

Com uma abordagem moderna e isenta de moralismo sobre HIV e ISTs, dois assuntos que tradicionalmente são soterrados por tabus e preconceitos, Rico Vasconcelos pretende discutir aqui, de maneira leve e acessível, o que há de mais atual e embasado cientificamente circulando pelo mundo. Afinal, saber o que realmente importa sobre esse tema é o que torna uma pessoa capaz de gerenciar sua própria vulnerabilidade ao longo da vida sexual. Podendo assim encontrar as melhores maneiras para manter qualidade no sexo, e minimizar os prejuízos físicos e psicológicos associados ao HIV e ISTs.