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As falhas da PrEP devem realmente nos preocupar?

Rico Vasconcelos

10/05/2019 04h00

Crédito: iStock

Essa semana aconteceu em São Paulo o XII Hepatoaids, um congresso paulistano de HIV e hepatites virais brilhantemente organizado pela equipe da UNIFESP. Tive o privilégio de participar da mesa que discutia as falhas da PrEP conhecidas até o momento, e sobre isso que vamos conversar aqui.

Hoje sabemos que a PrEP é uma das mais potentes ferramentas existentes de prevenção contra o HIV, quando usada com boa adesão. Apesar disso, é frequente a preocupação e o questionamento quanto aos riscos de ela falhar na sua missão. Mas será que as falhas da PrEP devem ser realmente uma preocupação?

Antes de mais nada, precisamos saber que o conceito de falha da PrEP deve ser compreendido de maneira ampla e abrangente, e não só como a falha no efeito protetor contra o HIV conferido pelos medicamentos antirretrovirais.

A definição mais moderna e aceita de falha da PrEP contempla qualquer falha que aconteça ao longo de todo o contínuo da atenção prestada ao usuário. Incluindo-se aí desde uma falha na tomada dos comprimidos até a falha do sistema de saúde em oferecer a estratégia para aqueles que se beneficiariam dela.

Dessa maneira, são também causas dessas falhas os profissionais da saúde que, por não gostarem ou concordarem com a implementação da PrEP, deixam de identificar nos seus pacientes a vulnerabilidade existente ao HIV e, portanto, de indicar a PrEP para eles.

As falhas de adesão aos comprimidos, as do sistema de saúde e as dos profissionais que nele trabalham, são seguramente as maiores causas de falhas de PrEP no Brasil. Entretanto, o que em geral preocupa a opinião pública desavisada é a baixíssima probabilidade do antirretroviral falhar na proteção contra o HIV.

Existem até hoje apenas 6 casos descritos na literatura científica mundial de falha exclusivamente da droga, com a infecção ocorrendo mesmo havendo boa adesão aos comprimidos. Nesses casos houve inclusive comprovação dessa adesão através da dosagem dos medicamentos no sangue ou no cabelo dos usuários.

Em praticamente todos eles o motivo dessas falhas biomédicas era a infecção por um vírus que já era resistente aos antirretrovirais utilizados na PrEP. E esse tipo de resistência tende a desaparecer no mundo com o uso de antirretrovirais cada vez melhores no tratamento das pessoas que vivem com HIV.

Somente seis casos de falha da droga em um universo de mais de 450.000 pessoas usando PrEP no mundo todo, segundo a última estimativa da ONG AVAC. Isso significa que a probabilidade de uma infecção por HIV acontecer por falha da droga num indivíduo bem aderente à PrEP é de cerca de 0,001%.

As falhas da PrEP devem, portanto, ser motivo de preocupação sim, mas não as falhas da droga.

Nossa atenção precisa estar voltada para as inadmissíveis falhas no acolhimento feito pelos profissionais da saúde e no acesso à essa estratégia de prevenção. O acesso à PrEP é um direito do cidadão. É parte do direito à saúde integral. E a falha da cidadania não pode continuar sendo a mais frequente e a que menos preocupa.

 

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Sobre o autor

Médico Infectologista formado pela Faculdade de Medicina da USP, Rico Vasconcelos trabalha e estuda, desde 2007, sobre tratamento e prevenção do HIV e outras ISTs. É atualmente coordenador do SEAP HIV, o ambulatório especializado em HIV do Hospital das Clínicas da FMUSP, e vem participando de importantes estudos brasileiros de PrEP, como o iPrEX, Projeto PrEP Brasil, HPTN083 (PrEP injetável) e na implementação da PrEP no SUS. Está terminando seu doutorado na FMUSP e participa no processo de formação acadêmica de alunos de graduação e médicos residentes no Hospital das Clínicas. Também atua na difusão de informações dentro da temática de HIV e ISTs no Brasil, desenvolvendo atividades com ONGs, portais de comunicação, agências de notícias, seminários de educação comunitária e onde mais existir alguém que tenha vida sexual ativa e possua interesse em discutir, sem paranoias, como torná-la mais saudável.

Sobre o blog

Com uma abordagem moderna e isenta de moralismo sobre HIV e ISTs, dois assuntos que tradicionalmente são soterrados por tabus e preconceitos, Rico Vasconcelos pretende discutir aqui, de maneira leve e acessível, o que há de mais atual e embasado cientificamente circulando pelo mundo. Afinal, saber o que realmente importa sobre esse tema é o que torna uma pessoa capaz de gerenciar sua própria vulnerabilidade ao longo da vida sexual. Podendo assim encontrar as melhores maneiras para manter qualidade no sexo, e minimizar os prejuízos físicos e psicológicos associados ao HIV e ISTs.