Estudo mostra sucesso na prevenção do HIV baseada na autonomia
Rico Vasconcelos
28/06/2019 04h00
Crédito: iStock
Ninguém no mundo discorda da ideia de que quanto mais formas de prevenção contra o HIV e outras infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) existirem, mais fácil será o controle dessas epidemias.
Diferentes contextos de vida sexual podem precisar de diferentes combinações de estratégias de prevenção. E, se a adesão ao método preventivo é fundamental para o seu sucesso, dar autonomia para cada pessoa escolher, dentro do cardápio de opções de prevenção, aquelas que consegue usar com boa adesão, é o que há de mais moderno e efetivo nesse sentido.
Os profissionais da saúde costumam achar que são eles quem deve escolher as formas de prevenção para seus pacientes, como por exemplo no já bem batido "Use Camisinha". Entretanto, a história nos mostrou que essa imposição isolada e inflexível não foi capaz de conter até hoje nenhuma IST.
Mas será que "pessoas comuns" são capazes de gerenciar sozinhas a sua prevenção? Os resultados do estudo holandês AMPrEP, publicado esse mês na revista científica Lancet HIV, uma das mais importantes do mundo, mostrou que sim.
Nesse estudo, entre 2015 e 2016, homens gays e pessoas trans de Amsterdam, na Holanda, que tinham critérios de vulnerabilidade ao HIV, como o uso irregular do preservativo nas relações sexuais, foram convidados para participar de um plano diferente de prevenção. A proposta era de um acompanhamento trimestral com o oferecimento gratuito de todo o conjunto disponível de métodos de prevenção, rastreamento e tratamento de ISTs.
Já na entrada, foi dada a opção do uso da Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) tanto na forma de comprimidos diários quanto na chamada Sob Demanda, em que o usuário toma os comprimidos seguindo uma posologia específica antes e depois das relações sexuais apenas. O esquema sob demanda, idealizado para os indivíduos com relações sexuais menos frequentes, ainda se encontra em fase de acúmulo de evidência científica de sua eficácia, sendo recomendado em poucos países do mundo.
Cada participante teve autonomia para decidir qual dos dois esquemas de PrEP usar e também para migrar de um para outro no decorrer do estudo, a depender por exemplo da frequência de suas exposições sexuais.
Dos 367 participantes incluídos, 73% optaram pela PrEP diária e o restante pela PrEP sob demanda. Mais de dois terços dos usuários de PrEP permaneceram no esquema inicial de tomada durante o seguimento, mas quase 20% decidiram trocá-lo por conta de mudanças na vida sexual, sendo que metade desses trocou mais de uma vez o esquema.
O resultado foi uma prevenção invejável. Enquanto não houve nenhum aumento na incidência das outras ISTs, ocorreram apenas 2 casos de infecção por HIV. Os dois entre os usuários da PrEP diária. Em um deles após a interrupção dos comprimidos e, o outro, um dos raríssimos casos de falha de PrEP reportados até hoje entre usuários com boa adesão aos comprimidos.
Cada vez mais os dados nos mostram que se quisermos ter sucesso no controle das ISTs, devemos nos empenhar na humanização e na individualização das ações. Acolher e compreender as demandas de cada pessoa, provendo as informações técnicas necessárias sobre o assunto, traz melhores resultados que julgar e tentar controlar a vida sexual alheia.
Conforme as opções de prevenção disponíveis no cardápio se multiplicam, aumenta a chance de se ter todos os diferentes contextos de vida contemplados. Mas isso de nada vai adiantar se não entendermos o papel da autonomia, porque no fim das contas é cada pessoa que decide o que acontece na sua vida.
Sobre o autor
Médico Infectologista formado pela Faculdade de Medicina da USP, Rico Vasconcelos trabalha e estuda, desde 2007, sobre tratamento e prevenção do HIV e outras ISTs. É atualmente coordenador do SEAP HIV, o ambulatório especializado em HIV do Hospital das Clínicas da FMUSP, e vem participando de importantes estudos brasileiros de PrEP, como o iPrEX, Projeto PrEP Brasil, HPTN083 (PrEP injetável) e na implementação da PrEP no SUS. Está terminando seu doutorado na FMUSP e participa no processo de formação acadêmica de alunos de graduação e médicos residentes no Hospital das Clínicas. Também atua na difusão de informações dentro da temática de HIV e ISTs no Brasil, desenvolvendo atividades com ONGs, portais de comunicação, agências de notícias, seminários de educação comunitária e onde mais existir alguém que tenha vida sexual ativa e possua interesse em discutir, sem paranoias, como torná-la mais saudável.
Sobre o blog
Com uma abordagem moderna e isenta de moralismo sobre HIV e ISTs, dois assuntos que tradicionalmente são soterrados por tabus e preconceitos, Rico Vasconcelos pretende discutir aqui, de maneira leve e acessível, o que há de mais atual e embasado cientificamente circulando pelo mundo. Afinal, saber o que realmente importa sobre esse tema é o que torna uma pessoa capaz de gerenciar sua própria vulnerabilidade ao longo da vida sexual. Podendo assim encontrar as melhores maneiras para manter qualidade no sexo, e minimizar os prejuízos físicos e psicológicos associados ao HIV e ISTs.