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Testagem e tratamento universal reduzem em 30% os casos de HIV

Rico Vasconcelos

09/08/2019 04h00

Crédito: iStock

Não há mais dúvidas. Todos os ensaios clínicos realizados até hoje nos mostraram que, quando uma pessoa que vive com HIV faz uso do tratamento antirretroviral com boa adesão, enquanto estiver com a carga viral indetectável não transmitirá seu vírus por via sexual para ninguém. Mesmo que tenha relações sem preservativo. E se alguém discorda ou não acredita nisso, está desatualizado e sendo preconceituoso.

Isso significa então que se um dia conseguíssemos encontrar todas as pessoas que vivem com HIV, vinculássemos elas a um tratamento eficaz e as mantivéssemos com a carga viral indetectável, poderíamos zerar o número de novos casos de infecção por esse vírus? Teoricamente, sim. E não só os novos casos, mas também as mortes em decorrência da Aids.

Foi baseado nesse raciocínio que, no início da década, o Programa Conjunto da ONU sobre HIV/Aids (UNAIDS) lançou a meta dos 90 – 90 – 90. Por meio de modelagens matemáticas, estimou-se que com 90% dos indivíduos diagnosticados, vinculados e tratados até 2020 já seria possível parar a epidemia até 2030.

Entretanto, não tínhamos certeza se na prática o plano funcionaria, caso essa meta ambiciosa fosse de fato atingida. Essa dúvida esteve por anos na cabeça das pessoas que trabalham com prevenção de HIV, mas agora no final de julho, a publicação do estudo PopART começou a encontrar uma resposta.

No PopART, 21 comunidades localizadas no Zâmbia e na África do Sul, países africanos com a prevalência de infecção por HIV na população geral em torno de 22%, foram randomizadas para receber os serviços tradicionais de testagem e tratamento ou um pacote intensivo que incluía testagem rotineira realizada nos domicílios, a vinculação imediata dos indivíduos diagnosticados aos serviços de tratamento por meio de agentes comunitários de saúde, e o aconselhamento de adesão à terapia antirretroviral.

O estudo incluiu ao todo mais de 48.000 participantes. Depois de 24 meses de intervenção, as comunidades que tinham recebido a abordagem intensiva alcançaram 72% dos indivíduos vivendo com HIV com carga viral indetectável e isso já levou à uma redução significativa de 30% no número de novas infecções.

Os pesquisadores discutem no trabalho a possibilidade dessa redução chegar a 60% se a intervenção for mantida ao longo do tempo, e aponta como obstáculo para se obter reduções ainda maiores a dificuldade de levar as ações às populações de difícil acesso, como as socialmente excluídas, tradicionalmente mais vulnerabilizadas à epidemia de HIV/Aids.

Os achados do PopART comprovam, portanto, que a implementação da testagem e tratamento universais funcionam na vida real para controlar a epidemia de HIV.

Isso significa que estamos no caminho certo para contermos o avanço desse vírus, uma vez que no Brasil desde 2013 recomendamos o tratamento imediato para todas as pessoas diagnosticadas com essa infecção.

Mas também nos lembra que se não enfrentarmos as desigualdades sociais, os benefícios para saúde não chegarão para todos.

 

 

 

 

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Sobre o autor

Médico Infectologista formado pela Faculdade de Medicina da USP, Rico Vasconcelos trabalha e estuda, desde 2007, sobre tratamento e prevenção do HIV e outras ISTs. É atualmente coordenador do SEAP HIV, o ambulatório especializado em HIV do Hospital das Clínicas da FMUSP, e vem participando de importantes estudos brasileiros de PrEP, como o iPrEX, Projeto PrEP Brasil, HPTN083 (PrEP injetável) e na implementação da PrEP no SUS. Está terminando seu doutorado na FMUSP e participa no processo de formação acadêmica de alunos de graduação e médicos residentes no Hospital das Clínicas. Também atua na difusão de informações dentro da temática de HIV e ISTs no Brasil, desenvolvendo atividades com ONGs, portais de comunicação, agências de notícias, seminários de educação comunitária e onde mais existir alguém que tenha vida sexual ativa e possua interesse em discutir, sem paranoias, como torná-la mais saudável.

Sobre o blog

Com uma abordagem moderna e isenta de moralismo sobre HIV e ISTs, dois assuntos que tradicionalmente são soterrados por tabus e preconceitos, Rico Vasconcelos pretende discutir aqui, de maneira leve e acessível, o que há de mais atual e embasado cientificamente circulando pelo mundo. Afinal, saber o que realmente importa sobre esse tema é o que torna uma pessoa capaz de gerenciar sua própria vulnerabilidade ao longo da vida sexual. Podendo assim encontrar as melhores maneiras para manter qualidade no sexo, e minimizar os prejuízos físicos e psicológicos associados ao HIV e ISTs.