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Entenda por que é um erro associar o aumento do HIV à homossexualidade

Rico Vasconcelos

13/09/2019 04h00

A deputada federal Carla Zambelli associou o aumento do HIV à pauta de reivindicações do movimento LGBT | Crédito: Michel Jesus/ Câmara dos Deputados

Na última semana os ativistas e pesquisadores do HIV no Brasil ficaram incomodados com um tweet da deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP). Nele, ela cita o dado de crescimento dessa epidemia entre os jovens tirado de um Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde e o associa à pauta de reivindicações do movimento LGBT no país.

Esse é um erro bastante comum entre aqueles que não estudam o assunto. Não compreendendo toda a complexidade da dinâmica de disseminação desse vírus no Brasil e no mundo, acabam ficando com a análise superficial e preconceituosa dos números.

A epidemia de HIV no Brasil tem um padrão que chamamos de concentrado. Isso significa que temos, na população geral, uma prevalência baixa da infecção, se mantendo estável em torno de 0,4%, enquanto, em alguns subgrupos específicos, ela sobe para valores muito mais altos.

Entre homens gays e bissexuais, por exemplo, a prevalência de HIV subiu de 12 para 18% entre 2009 e 2016, e entre as mulheres trans e travestis, já passa de 30%.

A análise rasa e equivocada que frequentemente é feita desses números é a de culpabilização das populações que apresentam as altas prevalências, quando, na verdade, todo o universo acadêmico e científico mundial que estuda HIV entende que elas são as vítimas de uma epidemia que é mediada por fenômenos sociais.

Homens gays e bissexuais, assim como mulheres trans e travestis, são vulnerabilizados ao HIV pela discriminação e exclusão social a que são submetidos, não acessando, portanto, todo o pacote disponível de prevenção e tratamento existente para esse vírus.

As pessoas privadas de liberdade, usuários de drogas, trabalhadores e trabalhadoras do sexo – outros grupos que apresentam altas prevalências da infecção no Brasil – são também de alguma forma deixadas de lado pela sociedade quando pensamos no conceito amplo de cidadania.

Vejam que desde a década de 1990 já dispomos de um tratamento antirretroviral que pode controlar a infecção de uma pessoa que vive com HIV, mantendo-a com saúde ao longo da sua vida. E até hoje ainda registramos cerca de 15.000 mortes decorrentes da Aids todos os anos. E isso num país como o Brasil que oferece o tratamento gratuitamente no sistema público de saúde.

O que têm de diferente as pessoas que vivem saudáveis com HIV e as que morrem de Aids? A discriminação e a exclusão social a que são submetidos. O acesso à saúde e a garantia de direitos básicos do cidadão permitem que essas pessoas realizem o tratamento antirretroviral com boa adesão e se mantenham bem.

Quer um exemplo? A população negra de São Paulo apresenta mortalidade em decorrência da Aids maior do que a branca. Se a infecção por HIV não causa um quadro clínico mais grave entre as pessoas de cor preta e nem o tratamento antirretroviral funciona pior para eles, esse dado apenas escancara a forma como o racismo influencia na desigualdade social e de acesso à saúde no Brasil.

Mais do que isso, se um subgrupo é historicamente mais impactado por uma epidemia, a ausência de uma abordagem individualizada para ele que trate da educação, prevenção, testagem e tratamento dessa doença, por parte das autoridades de saúde pública, é por si só um fator impulsionador do crescimento dos seus casos.

A homofobia, portanto, é um dos combustíveis da epidemia concentrada de HIV no Brasil.

Durante a última década os números da epidemia de HIV não tiveram melhora entre os gays no Brasil nem em diversos outros países pois não deixamos de ser um mundo marcado por intensa LGBTfobia. Nos países menos LGBTfóbicos, como a Austrália e Reino Unido, por exemplo, a incidência de HIV está despencando.

Os jovens gays vivem neste mesmo mundo e são vítimas tanto da discriminação motivada por sua orientação sexual quanto pela ausência de uma abordagem educativa efetiva no campo da prevenção do HIV.

Se continuarmos sendo um país LGBTfóbico, teremos uma epidemia de HIV cada vez maior e mais concentrada. Sempre nos mesmos grupos.

Em resumo, a mensagem que precisa ser divulgada é exatamente a oposta à do equivocado tweet. A luta contra a LGBTfobia e qualquer outro tipo de discriminação é uma das melhores opções que nós temos para controlar a epidemia de HIV. Tanto entre jovens quanto nos mais velhos. Basta querermos fazer isso.

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Sobre o autor

Médico Infectologista formado pela Faculdade de Medicina da USP, Rico Vasconcelos trabalha e estuda, desde 2007, sobre tratamento e prevenção do HIV e outras ISTs. É atualmente coordenador do SEAP HIV, o ambulatório especializado em HIV do Hospital das Clínicas da FMUSP, e vem participando de importantes estudos brasileiros de PrEP, como o iPrEX, Projeto PrEP Brasil, HPTN083 (PrEP injetável) e na implementação da PrEP no SUS. Está terminando seu doutorado na FMUSP e participa no processo de formação acadêmica de alunos de graduação e médicos residentes no Hospital das Clínicas. Também atua na difusão de informações dentro da temática de HIV e ISTs no Brasil, desenvolvendo atividades com ONGs, portais de comunicação, agências de notícias, seminários de educação comunitária e onde mais existir alguém que tenha vida sexual ativa e possua interesse em discutir, sem paranoias, como torná-la mais saudável.

Sobre o blog

Com uma abordagem moderna e isenta de moralismo sobre HIV e ISTs, dois assuntos que tradicionalmente são soterrados por tabus e preconceitos, Rico Vasconcelos pretende discutir aqui, de maneira leve e acessível, o que há de mais atual e embasado cientificamente circulando pelo mundo. Afinal, saber o que realmente importa sobre esse tema é o que torna uma pessoa capaz de gerenciar sua própria vulnerabilidade ao longo da vida sexual. Podendo assim encontrar as melhores maneiras para manter qualidade no sexo, e minimizar os prejuízos físicos e psicológicos associados ao HIV e ISTs.