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Medicamento para HIV pode funcionar para o novo coronavírus chinês

Rico Vasconcelos

31/01/2020 04h00

Reuters31

A infectologia definitivamente não é uma especialidade médica monótona. Em todos os anos certamente teremos um momento em que os noticiários e a preocupação das pessoas vão se voltar para algum vírus ou bactéria.

Já teve ano em que foi o HIV, em outro a gripe suína, no seguinte o H1N1, depois a dengue, o chikungunya, o zika vírus, a hepatite A, a febre amarela, o sarampo e assim por diante. Desde que resolvemos viver sobre a terra, somos alvo de diferentes agentes infecciosos. Sempre foi assim e assim sempre será.

O agente infeccioso da vez é o novo tipo de um vírus já conhecido. O coronavírus de agora surgiu e começou a causar uma doença respiratória em seres humanos a partir do final de 2019 na China. Tudo ainda é muito recente e por isso ainda estamos entendendo as características e a gravidade da doença causada por esse vírus, mas já percebemos que ele merece atenção.

Em pouco mais de um mês, o 2019-n-CoV – como tem sido o chamado o novo vírus – já infectou quase 10.000 pessoas em diferentes continentes, causando 171 mortes em decorrência de pneumonia grave e refratária ao tratamento.

Há alguns anos, outros dois tipos de coronavírus também causaram epidemias entre humanos. Em 2002, o causador da SARS (Síndrome Respiratória Aguda Grave) e, a partir de 2012, o da MERS (Síndrome Respiratória do Oriente Médio). Mesmo que não tenham devastado a humanidade, os dois vírus foram muito estudados e até hoje servem de base para pesquisas científicas.

Descobriu-se, por exemplo, que em modelos experimentais alguns medicamentos tinham ação antiviral contra os coronavírus SARS e MERS. Um dos candidatos que se mostraram promissores foi o antirretroviral Lopinavir/Ritonavir, que há mais de 10 anos é usado com sucesso para tratar pessoas que vivem com HIV.

A ampla disponibilidade desse medicamento possibilitou o rápido início das pesquisas com o Lopinavir/Ritonavir em pessoas infectadas com coronavírus. Em um trabalho de 2004, houve redução significativa das mortes quando se usava esse antirretroviral no tratamento de pacientes com SARS. E, desde 2016, o estudo MIRACLE está recrutando participantes com MERS para avaliar se efeito semelhante ocorre com esse tratamento antiviral.

Seguindo a tendência, um novo estudo já está sendo conduzido neste momento para avaliar o efeito do Lopinavir/Ritonavir no tratamento de indivíduos diagnosticados com o coronavírus chinês. Em breve teremos os primeiros resultados divulgados.

Não sabemos ainda se esse medicamento irá nos ajudar no enfrentamento da nova epidemia, mas é importante que as pessoas saibam que centenas de pesquisadores em todo mundo dedicam suas vidas e carreiras ao desenvolvimento de vacinas para prevenção de novas infecções e ao teste de tratamentos para os já infectados.

A garantia de uma boa estrutura e financiamento para o desenvolvimento dessas pesquisas é absolutamente fundamental para que mais rapidamente sejam encontrados meios para conter os novos vírus e bactérias que surgiram e ainda vão surgir.

Ainda que a internet tente nos convencer disso, agora não é momento para entrar em pânico. Já que o aparecimento de novas epidemias é certo e inevitável, a melhor maneira então para se viver sobre a terra é seguir as orientações das autoridades de vigilância epidemiológica e permitir que a ciência cumpra o seu papel.

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Sobre o autor

Médico Infectologista formado pela Faculdade de Medicina da USP, Rico Vasconcelos trabalha e estuda, desde 2007, sobre tratamento e prevenção do HIV e outras ISTs. É atualmente coordenador do SEAP HIV, o ambulatório especializado em HIV do Hospital das Clínicas da FMUSP, e vem participando de importantes estudos brasileiros de PrEP, como o iPrEX, Projeto PrEP Brasil, HPTN083 (PrEP injetável) e na implementação da PrEP no SUS. Está terminando seu doutorado na FMUSP e participa no processo de formação acadêmica de alunos de graduação e médicos residentes no Hospital das Clínicas. Também atua na difusão de informações dentro da temática de HIV e ISTs no Brasil, desenvolvendo atividades com ONGs, portais de comunicação, agências de notícias, seminários de educação comunitária e onde mais existir alguém que tenha vida sexual ativa e possua interesse em discutir, sem paranoias, como torná-la mais saudável.

Sobre o blog

Com uma abordagem moderna e isenta de moralismo sobre HIV e ISTs, dois assuntos que tradicionalmente são soterrados por tabus e preconceitos, Rico Vasconcelos pretende discutir aqui, de maneira leve e acessível, o que há de mais atual e embasado cientificamente circulando pelo mundo. Afinal, saber o que realmente importa sobre esse tema é o que torna uma pessoa capaz de gerenciar sua própria vulnerabilidade ao longo da vida sexual. Podendo assim encontrar as melhores maneiras para manter qualidade no sexo, e minimizar os prejuízos físicos e psicológicos associados ao HIV e ISTs.