Topo

Rico Vasconcelos

Qual é o melhor tratamento para o HIV?

Rico Vasconcelos

20/04/2018 04h00

tratamento de hiv

Crédito: iStock

No próximo mês de junho entraremos no trigésimo sétimo ano de história de epidemia de HIV. E, por mais que no mundo ainda estejamos buscando um cenário em que o HIV deixará de ser um problema na vida das pessoas, no Brasil temos muito o que comemorar quando olhamos para a história do enfrentamento da doença no país.

Diferente da década de 80, dispomos hoje de um vasto arsenal tecnológico capaz de nos ajudar de maneira eficaz tanto na prevenção quanto no tratamento do HIV. E o melhor, com tudo disponível no nosso sistema público de saúde e cabendo dentro do seu orçamento.

Quando falamos de tratamento da infecção de uma pessoa que vive com HIV, foi no ano de 1996 que houve a grande virada no jogo. Até então, as tentativas de uso de medicamentos não eram capazes de impedir a progressão da doença causada pelo vírus, e o destino daqueles que descobriam sua soropositividade era, quase que invariavelmente, de doença e muitas vezes morte. Foi nesse ano que encontramos a combinação correta das drogas antirretrovirais capaz de obter o controle eficaz e duradouro da multiplicação do vírus, dando assim oportunidade para os indivíduos recuperarem a saúde e seguirem suas vidas com mais qualidade.

No mesmo ano de 1996, foi promulgada em novembro a lei 9.313, que garante "toda a medicação necessária para o tratamento de pessoas que vivem com HIV" gratuitamente pelo SUS. De lá pra cá o que fazemos para tratar esse vírus segue o mesmo princípio de associação de drogas, e o que mudou foram as drogas disponíveis para isso, que têm se tornando a cada ano mais potentes contra o HIV e mais fáceis de serem tomadas, principalmente em termos de número de comprimidos por dia e de efeitos colaterais.

Na semana passada celebramos no Brasil mais um importante passo nessa história, com a disponibilização, por parte do Ministério da Saúde, de um novo medicamento antirretroviral para a composição do tratamento de pessoas que vivem com HIV que já faziam previamente uso de algum outro esquema. A nova droga, chamada Dolutegravir, desde 2017 já era usada no Brasil, entretanto apenas para pessoas recém diagnosticadas e virgens de qualquer tratamento.

A liberação dessa nova droga sem dúvida é uma vitória para o povo brasileiro, afinal, trata-se do cumprimento daquela lei de 1996, que também previa a incorporação ao SUS das novas tecnologias que se mostrassem eficazes na prevenção e no tratamento do HIV. Mas será que a chegada de um novo medicamento significa que todos os outros que usávamos anteriormente são ruins?

Muita atenção agora. Não ouça só a propaganda da indústria farmacêutica. Ouça também os pacientes. Já aprendemos que não podemos pensar que todas as pessoas do mundo são iguais e que, por exemplo, conseguirão se proteger de uma infecção por HIV apenas usando camisinha.  Justamente por isso, hoje preferimos a abordagem da Prevenção Combinada, que dá autonomia para os indivíduos escolherem as estratégias de prevenção que melhor se encaixam na sua vida. Com o tratamento das pessoas que já vivem com HIV não é diferente.

O melhor esquema antirretroviral é aquele que se adapta bem à vida da pessoa, levando em conta toda a complexidade que essa questão merece. Posologia e efeitos colaterais são os primeiros aspectos que vêm à cabeça, mas existem muitos outros pontos que devem ser pesados e discutidos com o médico responsável pelo acompanhamento, antes de se desejar a troca universal e automática para a nova droga. Afinal, o objetivo de um tratamento para o HIV é manter a contagem de vírus zerada no sangue do indivíduo, interferindo o mínimo possível na sua vida. E isso já era atingido em boa parte dos pacientes antes mesmo da chegada do Dolutegravir.

Cada pessoa tem uma experiência própria com cada medicamento. Assim como existem indivíduos que estão bem com esquemas antirretrovirais antigos, também haverá pessoas que não se adaptarão ao Dolutegravir. E nesse momento todos têm autonomia e liberdade para discutir com seu médico se a mudança no seu esquema antirretroviral agora será mesmo uma boa ideia.

Vamos comemorar pois temos motivos. Há a possibilidade de usar um dos antirretrovirais mais modernos do mundo, temos a Prevenção Combinada (inclusive com PrEP) e autonomia para decidir o que é melhor para cada um de nós quando o assunto é HIV. E tudo isso com sustentabilidade financeira e recursos próprios do Brasil.

Parabéns a todos os brasileiros. Convido a todos, já que a questão tecnológica nesse assunto está indo bem, para nos debruçarmos sobre as questões humanas da epidemia, que incomodam, desde a década de 80, mais do que os efeitos colaterais dos antirretrovirais. Para acabar com o estigma, preconceito e sorofobia que existem no Brasil, não precisamos de dinheiro e nem da indústria farmacêutica.

Só precisamos de informação e vontade.

Sobre o autor

Médico Infectologista formado pela Faculdade de Medicina da USP, Rico Vasconcelos trabalha e estuda, desde 2007, sobre tratamento e prevenção do HIV e outras ISTs. É atualmente coordenador do SEAP HIV, o ambulatório especializado em HIV do Hospital das Clínicas da FMUSP, e vem participando de importantes estudos brasileiros de PrEP, como o iPrEX, Projeto PrEP Brasil, HPTN083 (PrEP injetável) e na implementação da PrEP no SUS. Está terminando seu doutorado na FMUSP e participa no processo de formação acadêmica de alunos de graduação e médicos residentes no Hospital das Clínicas. Também atua na difusão de informações dentro da temática de HIV e ISTs no Brasil, desenvolvendo atividades com ONGs, portais de comunicação, agências de notícias, seminários de educação comunitária e onde mais existir alguém que tenha vida sexual ativa e possua interesse em discutir, sem paranoias, como torná-la mais saudável.

Sobre o blog

Com uma abordagem moderna e isenta de moralismo sobre HIV e ISTs, dois assuntos que tradicionalmente são soterrados por tabus e preconceitos, Rico Vasconcelos pretende discutir aqui, de maneira leve e acessível, o que há de mais atual e embasado cientificamente circulando pelo mundo. Afinal, saber o que realmente importa sobre esse tema é o que torna uma pessoa capaz de gerenciar sua própria vulnerabilidade ao longo da vida sexual. Podendo assim encontrar as melhores maneiras para manter qualidade no sexo, e minimizar os prejuízos físicos e psicológicos associados ao HIV e ISTs.