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Rico Vasconcelos

Conheça as novidades da AIDS 2018, a maior conferência de HIV do mundo

Rico Vasconcelos

27/07/2018 04h00

Crédito: IStock

Essa semana ocorreu em Amsterdã, na Holanda, a maior de todas as conferências da comunidade que estuda e que vive com HIV: a AIDS 2018. Realizada a cada 2 anos, é o evento que mais mobiliza pesquisadores, ativistas de todo mundo, e onde são apresentados os resultados dos estudos mais importantes da área.

Veja aqui alguns dos trabalhos apresentados por lá e fique por dentro do que há de mais recente no mundo do HIV.

Primeiramente, falando de tratamento do HIV, o Brasil marcou presença com a apresentação feita pelo Departamento de ISTs, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde.

Foram divulgados os dados de resposta ao tratamento antirretroviral no Brasil após a incorporação, em 2017, do novo antirretroviral Dolutegravir no esquema preferencial de tratamento de HIV. A análise mostrou que, quando comparado com qualquer um dos esquemas de tratamento usados anteriormente, o novo conseguiu, de maneira mais rápida e eficaz, atingir a meta da terapia, reduzindo a níveis indetectáveis a contagem de vírus no sangue dos pacientes.

A incorporação desse medicamento foi considerada vanguardista na época para um país de renda média como o Brasil. Entretanto, os dados brasileiros contribuíram para a mudança nas recomendações de tratamento da Organização Mundial da Saúde (OMS), que agora sugere a todos os países do mundo que façam como o Brasil e utilizem esquemas com essa nova droga.

Na conferência, foi também apresentado um trabalho que, ao estudar gestantes africanas vivendo com HIV, demonstrou que o uso desse antirretroviral em etapas iniciais da gestação aumentava a frequência de defeitos neurológicos nos recém-nascidos. Por causa disso, as recomendações da OMS incluem também o uso de algum método contraceptivo por mulheres em idade fértil que optem por usar esquemas com Dolutegravir.

Ainda falando do Dolutegravir, outro trabalho, realizado por um grupo argentino, conseguiu pela primeira vez demonstrar taxas semelhantes de sucesso quando comparados tratamentos iniciais que utilizavam essa droga em esquemas com dois ou três antirretrovirais.

Esse é o começo de uma mudança de paradigma estabelecido na década de 90, que considerava que os esquemas iniciais deveriam conter no mínimo três drogas para zerar a carga viral de um indivíduo. A possibilidade do uso de menos drogas no esquema antirretroviral é importante pois significa menos efeitos colaterais e maior qualidade de vida para as pessoas que vivem com HIV.

Já no campo da prevenção, três apresentações chamaram a atenção da conferência. A primeira foi o estudo francês Prévenir, que, após o primeiro ano de acompanhamento de mais de 1500 participantes em PrEP, não registrou nenhum caso de infecção por HIV.

Até aí, nenhuma novidade. Mas nesse projeto, os participantes podiam optar entre tomar os comprimidos da PrEP diariamente, como recomendado no Brasil e no resto do mundo, ou um esquema com comprimidos somente antes e depois das relações sexuais, chamado de PrEP Sob Demanda.

O novo esquema de PrEP já tinha mostrado bons resultados num estudo do mesmo grupo francês em 2016, porém com um número pequeno de participantes. O Prévenir pretende demonstrar, ao fim dos seus 3 anos de seguimento previstos, que, além de eficaz e seguro, o esquema de PrEP Sob Demanda é uma alternativa de prevenção promissora para indivíduos que tem relações sexuais menos frequentes.

O outro grande destaque foram os resultados finais do estudo Partner 2, que concluiu que não existem mais dúvidas de que uma pessoa que vive com HIV, em tratamento adequado e com carga viral indetectável, não transmite seu vírus por via sexual sem preservativo.

A hipótese de que o Indetectável = Intransmissível já havia sido demonstrada em estudos anteriores, mas o Partner 2 comprovou que ela permanece verdadeira independentemente do tipo de prática sexual desenvolvida e da presença de outras ISTs simultaneamente.

Ao longo da conferência foi reforçado ainda que o I = I deve ser amplamente divulgado por conta de seu poder de quebra de estigmas, de motivação para tratamento e de esperança para as pessoas que vivem com HIV e seus parceiros.

E por fim, um estudo holandês demonstrou alta taxa de incidência de Hepatite C entre usuários de PrEP de Amsterdã. A maior parte dos indivíduos infectados relatava práticas sexuais de alta vulnerabilidade a essa infecção, como múltiplos parceiros e uso de drogas recreativas em festas de sexo (o chamado ChemSex), e não eram testados periodicamente para Hepatite C antes da PrEP.

Uma vez que a Hepatite C tem tratamento e cura, o trabalho chama a atenção para a necessidade, para esse grupo, de um rastreamento para a doença tão frequente quanto o feito para as ISTs bacterianas, como sífilis, gonorreia, clamídia ou Mycoplasma genitalium.

Dessa forma, segundo os autores, a possibilidade de diagnóstico e tratamento precoce dos casos da comunidade, será a melhor chance de quebrar a cadeia de transmissão viral e acabar com a circulação da Hepatite C.

Vamos comemorar todos esses avanços. São os estudos como esses, apresentados na AIDS 2018, que guiam a maneira como enfrentamos as epidemias de HIV e ISTs no Brasil e no mundo. A ciência, quando isenta de moralismo e julgamento, é perfeitamente capaz de encontrar as soluções para os problemas que surgirem nesse processo.

Sobre o autor

Médico Infectologista formado pela Faculdade de Medicina da USP, Rico Vasconcelos trabalha e estuda, desde 2007, sobre tratamento e prevenção do HIV e outras ISTs. É atualmente coordenador do SEAP HIV, o ambulatório especializado em HIV do Hospital das Clínicas da FMUSP, e vem participando de importantes estudos brasileiros de PrEP, como o iPrEX, Projeto PrEP Brasil, HPTN083 (PrEP injetável) e na implementação da PrEP no SUS. Está terminando seu doutorado na FMUSP e participa no processo de formação acadêmica de alunos de graduação e médicos residentes no Hospital das Clínicas. Também atua na difusão de informações dentro da temática de HIV e ISTs no Brasil, desenvolvendo atividades com ONGs, portais de comunicação, agências de notícias, seminários de educação comunitária e onde mais existir alguém que tenha vida sexual ativa e possua interesse em discutir, sem paranoias, como torná-la mais saudável.

Sobre o blog

Com uma abordagem moderna e isenta de moralismo sobre HIV e ISTs, dois assuntos que tradicionalmente são soterrados por tabus e preconceitos, Rico Vasconcelos pretende discutir aqui, de maneira leve e acessível, o que há de mais atual e embasado cientificamente circulando pelo mundo. Afinal, saber o que realmente importa sobre esse tema é o que torna uma pessoa capaz de gerenciar sua própria vulnerabilidade ao longo da vida sexual. Podendo assim encontrar as melhores maneiras para manter qualidade no sexo, e minimizar os prejuízos físicos e psicológicos associados ao HIV e ISTs.