Uma pessoa que vive com HIV pode ser militar?
Essa semana, nos Estados Unidos, depois de muita polêmica um caso terminou bem. No estado de Virginia, uma juíza emitiu uma sentença proibindo a retirada de dois jovens integrantes da força aérea norte-americana. O motivo da expulsão? O diagnóstico da infecção por HIV.
O diagnóstico havia sido feito em 2017 e hoje ambos estão em acompanhamento médico regular, em tratamento antirretroviral e com suas cargas virais indetectáveis. Encontram-se completamente assintomáticos e haviam sido aprovados nas avaliações de aptidão física, mas mesmo assim foram considerados pelas forças armadas inaptos a continuar servindo à nação. Por causa disso resolveram, junto com um advogado, levar a história para o tribunal.
Os argumentos da corporação para a expulsão dos rapazes se embasaram em fatos tão equivocados quanto a impossibilidade da participação de missões em lugares distantes, como o oriente médio, uma vez que poderiam adoecer caso perdessem seus antirretrovirais. No entender da juíza a decisão foi motivada por discriminação e não tem suporte no conhecimento científico atual.
Esse caso ocorrido nos Estados Unidos serve de ponto de partida para reflexão sobre a maneira que a questão é levada em outros lugares.
No Brasil, a relação do HIV com as forças armadas também não é exatamente harmoniosa.
A exigência de testagem para HIV em qualquer exame admissional ou processo seletivo é considerada proibida, de acordo com a Portaria nº 1.927 do Ministério do Trabalho, de dezembro de 2014. Mas, até o ano passado, ainda se encontrava a obrigatoriedade do resultado negativo para esse exame em editais de concursos públicos para a carreira militar.
Parte dessa restrição se embasa numa lei bem antiga, a 7.670 de 1988, que assegurava o direito à aposentadoria para os civis e à reforma para os militares quando se encontravam doentes com Aids. O benefício existia para dar suporte a esses pacientes no período mais avançado da doença e morte. Se a infecção por HIV era suficiente para afastar um indivíduo das suas atividades trabalhistas, era de se compreender que naquela época também o excluísse de um processo seletivo.
Acontece que de 1988 para cá muita coisa mudou. Temos hoje um tratamento capaz de impedir a progressão da doença causada pelo HIV que é disponibilizado gratuitamente no Sistema Único de Saúde.
Enquanto uma pessoa que vive com HIV se mantiver em terapia antirretroviral jamais adoecerá com Aids, terá saúde e continuará apto a desempenhar qualquer atividade laboral, da mesma forma que um soronegativo. Assim, o HIV sozinho já há anos não é mais motivo para aposentar ninguém no mundo civil.
No caso da carreira militar, o tema por diversas vezes já foi motivo de ações judiciais. Ainda que elas tenham resultados discrepantes, há uma tendência nas sentenças mais recentes de rejeitar a restrição imposta às pessoas que vivem com HIV. Um exemplo disso é a ação da Defensoria Pública do Espírito Santo que teve como resultado em caráter liminar, agora no início de fevereiro de 2019, a retirada da exigência do teste de HIV do edital de um concurso para vagas de bombeiros militares.
Segundo Vinicius Conceição Silva, do Núcleo Especializado de Defesa Diversidade e da Igualdade Racial da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, "a União tem defendido que o militar portador do vírus HIV não tem direito à reforma, especialmente quando assintomático. Logo, exigir o teste de HIV em concursos, ou quando do alistamento, tem caráter discriminatório, uma vez que bastaria o teste de aptidão física para aprovar ou não o candidato".
As leis devem acompanhar o desenvolvimento científico da medicina. Se não o fazem, ficam desatualizadas. Assim, da mesma forma que uma pessoa desinformada, o Estado se torna sorofóbico, provocando desnecessária discriminação e sofrimento.
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