Casais sorodiferentes para HIV podem engravidar da forma tradicional
Durante a última semana, aconteceu na cidade de Basileia, na Suíça, a 17ª Conferência Europeia de HIV, evento que reúne especialistas sobre o tema para discutir os avanços e novidades científicas do tratamento e prevenção desse vírus. E em mais uma vez os europeus impressionaram positivamente o resto do mundo.
Tradicionalmente os europeus costumam ser progressistas nos seus posicionamentos sobre questões polêmicas que envolvem o HIV. Em 2008, por exemplo, nesse mesmo país onde agora é realizada a conferência, pela primeira vez alguém afirmou oficialmente que, sob tratamento antirretroviral adequado, uma pessoa que vive com HIV deixa de transmitir seu vírus por via sexual.
Segundo o Swiss Statement, documento elaborado pelo ministério da saúde daquele país, depois de iniciados os medicamentos para tratar o HIV e alcançada a carga viral indetectável por no mínimo 6 meses, na ausência de outra infecção sexualmente transmissível (IST), o risco de transmissão sexual do vírus era zero.
Naquele ano, a declaração causou um terremoto na comunidade científica internacional e teve até gente chamando o governo suíço de inconsequente, podendo provocar uma explosão mundial de novos casos de HIV com seu posicionamento. A explosão de fato não aconteceu. Ao contrário disso, a ampliação do uso do tratamento antirretroviral fez com que os novos casos parassem de crescer. E agora, 11 anos depois, com inúmeros estudos comprovando o Statment, e até mesmo mostrando que o risco é zero independentemente da presença de outra IST concomitante, não restam mais dúvidas de que o Indetectável é mesmo Intransmissível (I=I).
Nesses 11 anos, no entanto, muita gente se posicionou contra o conceito do I=I, na maioria das vezes motivado por preconceito ou sorofobia, ignorando as evidências científicas. Mas, aos poucos, o I=I tem se difundido, funcionando como uma potente ferramenta de combate ao estigma e discriminação existente com as pessoas que vivem com HIV.
Uma das áreas da medicina em que mais se relutou para incorporar o conceito do I=I foi a saúde reprodutiva. E o fato dos profissionais que trabalham nessa área continuarem insistindo que o risco de transmissão do HIV continuaria sempre existindo, independente do tratamento, fez com que inúmeros casais sorodiferentes abandonassem o plano de ter filhos. Mas essa semana a Suíça novamente nos surpreendeu.
Durante o evento da última semana, foi lançada a 10ª edição do Guia da Sociedade Europeia Clínica de Aids, e nele há um capítulo atualizado sobre saúde reprodutiva que estabelece que se num casal sorodiferente a pessoa que vive com HIV está com a carga viral indetectável, a tentativa de engravidar pode ser feita da maneira tradicional, com o sexo sem preservativo. Da mesma forma que qualquer outro casal do mundo faria. Mais do que isso, a reprodução assistida com a utilização da Lavagem de Esperma, um procedimento extremamente caro que foi exigido por anos para a eliminação do vírus, deixa no novo guia de ser recomendada.
É bom lembrar que todas as demais recomendações para um casal que pretende engravidar continuam valendo, como o início do pré-natal antes mesmo da concepção, com a investigação das demais ISTs e a escolha do melhor esquema antirretroviral para uma mulher gestante.
A incorporação do conceito I=I às recomendações de saúde sexual e reprodutiva da sociedade europeia de HIV é um marco na história do enfrentamento do HIV e uma vitória da ciência contra a sorofobia. Algo que em breve passará a ser reconhecido e recomendado no resto do mundo, trazendo melhora considerável na vida de milhões de pessoas que vivem com esse vírus sob tratamento.
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