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HIV cresce entre adolescentes e jovens. O que é preciso fazer agora?

Rico Vasconcelos

08/06/2018 04h00

Crédito: iStock

A epidemia de HIV não se dissemina pela população mundial de maneira homogênea. São os aspectos sociais os principais fatores que influenciam nisso.

No Brasil, por exemplo, encontramos desde o começo o mesmo padrão epidêmico, em que, apesar da baixa prevalência de HIV na população geral (0,4%), temos altas concentrações em alguns subgrupos específicos, como os homens gays e que fazem sexo com outros homens (18%), e as mulheres trans e travestis (31%).

Além disso, nos últimos anos, estamos vendo algo de novo acontecendo nessa distribuição. Agora, o maior crescimento do número de novos casos diagnosticados tem sido observado entre os mais jovens e adolescentes. É nesse subgrupo em que a epidemia mais está acelerando.

Para se ter uma ideia, nos últimos 10 anos, o número de novos casos de infecção por HIV diagnosticados por ano no Brasil, entre jovens de 15 a 24 anos de idade, quase que triplicou, segundo o último boletim epidemiológico do Ministério da Saúde.

Dessa maneira, já se pode dizer que cerca de um terço dos novos casos diagnosticados de infecção por HIV ocorre entre pessoas com menos de 25 anos. Boa parte deles já tem o primeiro teste realizado na vida com resultado positivo.

Muitas opiniões diferentes surgem nesse cenário tentando analisar o que aconteceu para que os números tomassem esses caminhos. Várias delas culpam os próprios jovens, dizendo que "eles não se cuidam mais" ou que "eles não têm medo da Aids pois não viram as pessoas morrerem".

Eu prefiro pensar que os jovens de hoje são os jovens de hoje, e que os jovens de 20 anos atrás eram os jovens de 20 anos atrás. Os jovens de hoje são muito diferentes dos jovens "antigos" e serão também dos "futuros", que ainda estão por vir. Além disso, os jovens de hoje vivem em um mundo completamente diferente do que foi o Brasil da década de 1990.

Mas, inegavelmente, o que todos esses jovens têm em comum é a baixa percepção de vulnerabilidade. Afinal, assim são os jovens.

O que vemos hoje é a resultante desses fatores, multiplicada pela omissão de ações e campanhas de prevenção que de fato promovam o diálogo entre o assunto em questão e seu público alvo, censuradas por terem um tom mais progressista.

Pronto. Tá explicado.

E é justamente por isso que ao invés de culpá-los, prefiro olhar pra frente e tentar encontrar o que é preciso fazer para mudar essa tendência pois, se nada de efetivo for feito, teremos logo mais que lidar com toda uma geração vivendo com HIV. E por toda sua vida.

A camisinha é ponto central nessa discussão e não pode jamais ser deixada de lado, mas já sabemos que ela é simplesmente incapaz de resolver esse nó sozinha. Assim, mais do que nunca, toda ajuda nesse empenho será bem-vinda.

Na semana passada, o FDA, a agência norte-americana que regula o registro de medicamentos, aprovou o uso da Profilaxia Pré Exposição (PrEP) ao HIV para menores de 18 anos de idade. Até então, a grande maioria dos estudos que avaliaram a eficácia da prevenção e a segurança no uso da estratégia, só incluíam participantes maiores de idade. Só não podemos esquecer que uma parcela considerável da população chega a essa idade já com a vida sexual iniciada e, portanto, vulnerável.

A liberação nos EUA é um grande passo para que o mesmo ocorra no resto do mundo. No Brasil, o programa que oferece PrEP gratuitamente no SUS, por enquanto, só considera a inclusão de participantes com mais de 18 anos.

Por causa disso, para entender qual o papel dessa estratégia no momento atual da epidemia brasileira, um projeto de pesquisa está sendo desenvolvido para avaliar a oferta de PrEP, dentro de um plano de Prevenção Combinada, para jovens de 15 a 19 anos de idade, nas cidades de São Paulo, Belo Horizonte e Salvador.

Estudos anteriores, realizados em outros países, mostraram que a PrEP, quando tomada corretamente, é capaz de proteger da mesma forma os adolescentes vulneráveis de uma infecção pelo HIV. Entretanto, a adesão aos comprimidos é pior nesse público e requer esforço adicional da equipe que o assiste para obter os níveis ótimos de proteção.

No Projeto PrEP Brasil, por exemplo, a utilização de mensagens de texto no celular conseguiu, entre os participantes de 18 a 24 anos, fazer com que a adesão à PrEP melhorasse de maneira significativa.

Da mesma forma, a tecnologia de uma PrEP injetável aplicada a cada 2 meses já se encontra em fase de testes no Brasil e pode ser uma opção promissora de prevenção para os jovens que apresentam dificuldade tanto no uso do preservativo quanto na tomada diária de um comprimido.

Agora, é hora de conhecer o universo dos jovens e encontrar quais as melhores maneiras para se utilizar uma prevenção que funcione em suas vidas. E isso só será possível se eles forem ouvidos, respeitados e valorizados. A partir daí, será possível instrumentalizá-los com as ferramentas da prevenção combinada, sem pudor para falar sobre aquilo que já estão fazendo há muito tempo: sexo.

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Sobre o autor

Médico Infectologista formado pela Faculdade de Medicina da USP, Rico Vasconcelos trabalha e estuda, desde 2007, sobre tratamento e prevenção do HIV e outras ISTs. É atualmente coordenador do SEAP HIV, o ambulatório especializado em HIV do Hospital das Clínicas da FMUSP, e vem participando de importantes estudos brasileiros de PrEP, como o iPrEX, Projeto PrEP Brasil, HPTN083 (PrEP injetável) e na implementação da PrEP no SUS. Está terminando seu doutorado na FMUSP e participa no processo de formação acadêmica de alunos de graduação e médicos residentes no Hospital das Clínicas. Também atua na difusão de informações dentro da temática de HIV e ISTs no Brasil, desenvolvendo atividades com ONGs, portais de comunicação, agências de notícias, seminários de educação comunitária e onde mais existir alguém que tenha vida sexual ativa e possua interesse em discutir, sem paranoias, como torná-la mais saudável.

Sobre o blog

Com uma abordagem moderna e isenta de moralismo sobre HIV e ISTs, dois assuntos que tradicionalmente são soterrados por tabus e preconceitos, Rico Vasconcelos pretende discutir aqui, de maneira leve e acessível, o que há de mais atual e embasado cientificamente circulando pelo mundo. Afinal, saber o que realmente importa sobre esse tema é o que torna uma pessoa capaz de gerenciar sua própria vulnerabilidade ao longo da vida sexual. Podendo assim encontrar as melhores maneiras para manter qualidade no sexo, e minimizar os prejuízos físicos e psicológicos associados ao HIV e ISTs.