Segundo caso de cura do HIV é confirmado durante Congresso Mundial
Rico Vasconcelos
13/03/2020 04h00
iStock13
Estava eu na sexta-feira passada com as malas prontas para viajar para Boston, nos Estados Unidos, para participar do Congresso Mundial de HIV (CROI), quando recebi a notícia de que, devido à pandemia de coronavírus, o evento não seria mais realizado presencialmente, mas de modo virtual pelo computador.
Depois disso, de modo impressionante, em apenas dois dias a comissão organizadora do congresso conseguiu montar uma plataforma digital que permitiu que os mais de 5.000 participantes inscritos pudessem assistir pela internet às apresentações do programa. Cada palestrante fez sua apresentação de sua própria casa ou escritório, e o CROI a retransmitiu para todos os outros congressistas.
Tradicionalmente, o CROI é um dos congressos em que são apresentados os resultados das pesquisas mais importantes do mundo do HIV/Aids para a comunidade científica internacional. Esse ano, mesmo sendo um congresso virtual, não foi diferente.
Um dos temas que mais chamou a atenção do público foi, como sempre, a cura do HIV. O assunto sempre atrai qualquer pessoa, seja ela pesquisadora da área ou não. Ainda mais quando se trata do segundo caso de cura registrada no mundo.
Da mesma forma que no primeiro caso curado, o paciente de agora estava vivendo bem com seu HIV, em tratamento antirretroviral e com carga viral indetectável, quando precisou ser submetido a um transplante de medula óssea para tratamento de um câncer hematológico. Depois de recuperado do transplante, ele havia se livrado tanto do câncer quanto do HIV. Nos dois casos reportados, os doadores da medula óssea tinham uma mutação genética que os tornava mais resistentes à infecção por esse vírus.
O caso, conhecido como o Paciente de Londres, já havia sido apresentado no CROI do ano passado, mas ainda restavam dúvidas se ele realmente não poderia desenvolver uma recidiva do HIV algum tempo depois de interrompido o tratamento antirretroviral, como já aconteceu com inúmeros outros casos semelhantes submetidos ao mesmo tipo de transplante.
Agora em 2020, quando foram completados 2 anos e meio da suspensão dos medicamentos sem a detecção do vírus em nenhum tecido, tanto o Paciente de Londres quanto a equipe de saúde que o assiste, puderam comemorar, pois o caso foi enfim considerado como definitivamente curado do HIV.
A confirmação da cura fez com que o paciente decidisse revelar ao mundo a sua identidade depois de anos de privacidade. O Paciente de Londres é um homem venezuelano de 40 anos, chamado Adam Castillejo, que mora em Londres desde 2002 e vive com HIV desde 2003.
"Eu quero ser um embaixador da esperança", disse Adam em entrevista ao jornal americano The New York Times.
Movimento semelhante foi feito por Timothy Brown, o primeiro homem curado do HIV, que por anos foi conhecido como o Paciente de Berlim. Timothy hoje é uma celebridade ativista de direitos humanos, que viaja pelo mundo fazendo palestras e contando sua história de superação.
No ano passado, Timothy Brown esteve na Faculdade de Medicina da USP para um evento, onde afirmou que tinha muita vontade de conhecer o então anônimo Paciente de Londres e fez uma apresentação emocionante para um anfiteatro lotado de profissionais da saúde, pessoas vivendo com HIV e fãs.
Uma das coisas mais bonitas que disse foi que ninguém que vive com HIV deve esperar a cura chegar para viver sua vida.
Agora, Timothy Brown terá a ajuda de Adam Castillejo para continuar motivando as quase 38 milhões de pessoas que vivem com HIV em todo mundo a continuarem cuidando de sua saúde enquanto uma forma de cura mais acessível esteja disponível para todos.
Sobre o autor
Médico Infectologista formado pela Faculdade de Medicina da USP, Rico Vasconcelos trabalha e estuda, desde 2007, sobre tratamento e prevenção do HIV e outras ISTs. É atualmente coordenador do SEAP HIV, o ambulatório especializado em HIV do Hospital das Clínicas da FMUSP, e vem participando de importantes estudos brasileiros de PrEP, como o iPrEX, Projeto PrEP Brasil, HPTN083 (PrEP injetável) e na implementação da PrEP no SUS. Está terminando seu doutorado na FMUSP e participa no processo de formação acadêmica de alunos de graduação e médicos residentes no Hospital das Clínicas. Também atua na difusão de informações dentro da temática de HIV e ISTs no Brasil, desenvolvendo atividades com ONGs, portais de comunicação, agências de notícias, seminários de educação comunitária e onde mais existir alguém que tenha vida sexual ativa e possua interesse em discutir, sem paranoias, como torná-la mais saudável.
Sobre o blog
Com uma abordagem moderna e isenta de moralismo sobre HIV e ISTs, dois assuntos que tradicionalmente são soterrados por tabus e preconceitos, Rico Vasconcelos pretende discutir aqui, de maneira leve e acessível, o que há de mais atual e embasado cientificamente circulando pelo mundo. Afinal, saber o que realmente importa sobre esse tema é o que torna uma pessoa capaz de gerenciar sua própria vulnerabilidade ao longo da vida sexual. Podendo assim encontrar as melhores maneiras para manter qualidade no sexo, e minimizar os prejuízos físicos e psicológicos associados ao HIV e ISTs.