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Pesquisa de cura do HIV e PrEP injetável: conheça as novidades da AIDS2020

Rico Vasconcelos

10/07/2020 04h00

Crédito: iStock

A maior de todas as conferências de HIV/Aids, a AIDS2020, aconteceu durante a última semana de forma totalmente virtual devido à pandemia de coronavírus.

Tradicionalmente, nesse congresso são apresentados os estudos de maior relevância dentro da pesquisa mundial sobre HIV/Aids e o encontro pela internet não impediu que grandes notícias fossem divulgadas.

Separei para discutir aqui dois dos trabalhos apresentados de maior repercussão.

O primeiro deles certamente foi o assunto mais falado no mundo do HIV na última semana. Trata-se do interessante caso do paciente que está com a sua infecção por HIV em remissão, com carga viral indetectável por cerca de 1 ano e meio, desde a interrupção do tratamento antirretroviral.

O homem de 34 anos é um dos participantes de uma pesquisa realizada pelo Prof. Ricardo Diaz, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). A pesquisa testou, num grupo de 30 pessoas vivendo com HIV, diferentes intervenções com o objetivo de reduzir nos seus corpos os chamados reservatórios do HIV, locais em que o vírus permanece viável apesar do uso do tratamento antirretroviral e de manter a carga viral indetectável no sangue.

A existência dos reservatórios é considerada o principal obstáculo para se atingir a cura do HIV.

Diagnosticado em 2012, o participante entrou no estudo somente em 2015, já com o HIV em tratamento e há mais de 2 anos com a carga viral indetectável. Recebeu então, ao longo de 1 ano, a intensificação da terapia antirretroviral com 2 drogas a mais (Maraviroc e Dolutegravir) e também a nicotinamida (vitamina B3). Segundo o pesquisador, essas drogas são capazes de fortalecer a imunidade contra o vírus e tirar o HIV nos reservatórios do estado de latência e assim torná-lo visível ao sistema imune.

No final da intervenção, o participante voltou a usar apenas o esquema antirretroviral e, 3 anos depois, foi convidado para o experimento de interrupção dos antirretrovirais, pois os exames indicavam que não havia mais HIV nos reservatórios pesquisados.

A comunidade científica internacional recebeu a notícia com entusiasmo e cautela. Definitivamente, não é possível afirmar ainda que "encontramos a cura", como já está circulando nas redes sociais. Primeiro, todos precisam saber que outros 4 participantes do estudo receberam exatamente a mesma intervenção e não atingiram remissão semelhante. Além disso, mais tempo e mais etapas são necessários para afirmar que este paciente está de fato curado.

O pesquisador afirmou que os próximos passos são investigar de forma mais detalhada os reservatórios desse paciente com a realização inclusive de biópsias, além de confirmar os resultados dos exames em laboratórios diferentes do da Unifesp. Está prevista também a expansão do experimento para mais 60 novos indivíduos. 

Até agora, apenas 2 pessoas tiveram a cura da infecção por HIV confirmada, ambas após terem sido submetidas a um transplante de medula óssea para tratamento de um câncer hematológico. Se o caso da Unifesp se confirmar como livre do HIV, será um caso inédito.

PrEP injetável

O outro estudo que agitou o congresso foi o HPTN 083, que avaliou a segurança e a eficácia protetora contra uma infecção por HIV com a utilização do Cabotegravir, um antirretroviral administrado em injeções intramusculares, aplicadas a cada 2 meses. A chamada PrEP Injetável de longa duração. 

Dados preliminares desse estudo já tinham sido discutidos aqui nessa coluna, mas agora uma análise mais completa dos dados mostrou que a nova forma de PrEP não só é eficaz, como é ainda mais protetora do que a PrEP clássica, feita com comprimidos tomados diariamente.

Segundo os dados apresentados, uma pessoa que usa a PrEP injetável tem um terço das chances que teria de se infectar com HIV se tivesse usado a PrEP em comprimidos.

Com os resultados desse estudo, inicia-se uma nova era na prevenção do HIV. Aumentar as possibilidades de um indivíduo se prevenir dessa infecção sem deixar de viver sua vida sexual com qualidade, é uma forma de enfim reduzir os ainda altos números de novos casos de HIV diagnosticados todos os anos em todo o mundo.

A cura e a prevenção da infecção por HIV são duas das áreas em que mais se concentram as pesquisas científicas atualmente. Pesquisas que têm como objetivo atingir a meta de um mundo livre do HIV e do estigma.

Enquanto não nos livramos do vírus, devemos desde já nos empenhar em acabar com o estigma, apontado pelas pessoas que vivem com HIV como o principal problema causado pela infecção. E para isso não precisamos de cura, de PrEP, de transplante e nem de vitamina B3. Precisamos apenas de um pouco de empatia e acreditar naquilo que a ciência nos ensina.

No dia 7 de julho, completaram-se 30 anos da morte do cantor Cazuza. Em 1990, ele foi uma das vítimas não só da Aids, mas também da discriminação e do julgamento da sociedade por conta desse diagnóstico. Se fosse hoje, Cazuza não morreria por causa da infecção por HIV, mas certamente sentiria o ainda presente estigma.

#CAZUZAVIVE

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Sobre o autor

Médico Infectologista formado pela Faculdade de Medicina da USP, Rico Vasconcelos trabalha e estuda, desde 2007, sobre tratamento e prevenção do HIV e outras ISTs. É atualmente coordenador do SEAP HIV, o ambulatório especializado em HIV do Hospital das Clínicas da FMUSP, e vem participando de importantes estudos brasileiros de PrEP, como o iPrEX, Projeto PrEP Brasil, HPTN083 (PrEP injetável) e na implementação da PrEP no SUS. Está terminando seu doutorado na FMUSP e participa no processo de formação acadêmica de alunos de graduação e médicos residentes no Hospital das Clínicas. Também atua na difusão de informações dentro da temática de HIV e ISTs no Brasil, desenvolvendo atividades com ONGs, portais de comunicação, agências de notícias, seminários de educação comunitária e onde mais existir alguém que tenha vida sexual ativa e possua interesse em discutir, sem paranoias, como torná-la mais saudável.

Sobre o blog

Com uma abordagem moderna e isenta de moralismo sobre HIV e ISTs, dois assuntos que tradicionalmente são soterrados por tabus e preconceitos, Rico Vasconcelos pretende discutir aqui, de maneira leve e acessível, o que há de mais atual e embasado cientificamente circulando pelo mundo. Afinal, saber o que realmente importa sobre esse tema é o que torna uma pessoa capaz de gerenciar sua própria vulnerabilidade ao longo da vida sexual. Podendo assim encontrar as melhores maneiras para manter qualidade no sexo, e minimizar os prejuízos físicos e psicológicos associados ao HIV e ISTs.