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HIV: conheça os lugares que estão vencendo essa epidemia

Rico Vasconcelos

03/08/2018 04h00

Crédito: Istock

Seria possível ficar aqui até o final de 2018 apenas falando das inúmeras apresentações interessantes que foram feitas na AIDS 2018, Conferência Mundial de HIV, que ocorreu na semana passada em Amsterdã, Holanda. Mas preferi selecionar aquelas que podem gerar uma reflexão enriquecedora na discussão sobre prevenção de HIV no Brasil.

Nesse sentido, um workshop chamado "A Eliminação do HIV é Agora uma Realidade entre Homens Gays", realizado no segundo dia da conferência, é perfeito para discutirmos o momento atual do enfrentamento brasileiro dessa epidemia.

Nesse workshop, representantes de 3 cidades que já estão conseguindo reduzir os novos casos de infecção por HIV entre homens gays – Sydney (Austrália), Londres (Inglaterra) e Nova Iorque (EUA) – ensinaram para o resto do mundo as lições aprendidas nesse processo. E, de maneira nada surpreendente, as lições são muito parecidas nas três cidades.

Em todas elas, após a implementação de um programa de ações estratégicas que colocava em prática as descobertas científicas dos últimos anos, provenientes de pesquisas sérias e ensaios clínicos, rapidamente já foi possível identificar o declínio do número de novas infecções.

Na Austrália, por exemplo, depois de alguns anos da implementação do programa integrado de prevenção, chegou-se à impressionante redução de 52% no número de casos novos de HIV entre homens gays na região central de Sydney e de 25% em todo estado de New South Wales. Isso significa que, dentro de alguns anos, já será possível imaginar o fim da epidemia de HIV nessa região.

Segundo os palestrantes, esse sucesso começa com o engajamento político e comunitário com a causa. E assim trazer a epidemia de HIV que se concentra desproporcionalmente entre homens gays, travestis e mulheres trans para o centro do planejamento das políticas públicas de saúde. Afinal, sem vontade política, interesse da comunidade e nem recursos necessários para as ações de um programa de prevenção, nada acontecerá.

Um exemplo disso é a briga jurídica que já se estende há anos na Inglaterra sobre o oferecimento gratuito da Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) pelo sistema público de saúde inglês. Lá, mesmo que a estratégia ainda não seja distribuída pelo governo britânico, desde 2015 um número enorme de homens gays passou a comprar os comprimidos da PrEP, com a ajuda de uma ONG, de um laboratório indiano de genéricos, aumentando consideravelmente o número de pessoas dessa comunidade que utilizavam a estratégia de prevenção. Desde então, o número de novos casos de HIV em Londres caiu em cerca de 30%.

O envolvimento da comunidade é um dos maiores motores dessa transformação. A cidade de Nova Iorque, mobilizou a comunidade gay com uma grande campanha de combate ao estigma associado ao HIV, reforçando que as pessoas são todas iguais não importando o resultado de suas sorologias. Assim, conseguiu aumentar e muito a cobertura e frequência das testagens para HIV e, com isso, reduzir o número de novos casos de HIV nesse grupo em quase 15% num período de apenas 1 ano.

Nas 3 cidades, a abordagem do programa de HIV é centrada no indivíduo, buscando reconhecer as demandas que cada contexto de vida tem, com especial atenção ao suporte psicossocial. Depois disso, os passos são simples: testagem frequente, o início precoce da terapia antirretroviral para aqueles que já vivem com HIV, e oferecimento gratuito de camisinhas, PEP e a PrEP (exceto em Londres), para que cada pessoa escolha aquilo que se encaixa na sua realidade.

Quando olhamos para o Brasil, sabemos que existem ainda importantes questões a ser enfrentadas para o sucesso no enfrentamento dessa epidemia. Questões como o moralismo, julgamento, culpabilização, sorofobia e homo/transfobia, presentes entre profissionais da saúde e na sociedade. Ou mesmo questões complexas e intersetoriais como a desigualdade social.

Mas é nítido também como, em termos de ações estratégicas, estamos cada vez mais alinhados com os caminhos que, no resto mundo, deram certo para o controle da epidemia entre homens gays.

Faça sua parte como comunidade e se engaje nesse movimento.

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Sobre o autor

Médico Infectologista formado pela Faculdade de Medicina da USP, Rico Vasconcelos trabalha e estuda, desde 2007, sobre tratamento e prevenção do HIV e outras ISTs. É atualmente coordenador do SEAP HIV, o ambulatório especializado em HIV do Hospital das Clínicas da FMUSP, e vem participando de importantes estudos brasileiros de PrEP, como o iPrEX, Projeto PrEP Brasil, HPTN083 (PrEP injetável) e na implementação da PrEP no SUS. Está terminando seu doutorado na FMUSP e participa no processo de formação acadêmica de alunos de graduação e médicos residentes no Hospital das Clínicas. Também atua na difusão de informações dentro da temática de HIV e ISTs no Brasil, desenvolvendo atividades com ONGs, portais de comunicação, agências de notícias, seminários de educação comunitária e onde mais existir alguém que tenha vida sexual ativa e possua interesse em discutir, sem paranoias, como torná-la mais saudável.

Sobre o blog

Com uma abordagem moderna e isenta de moralismo sobre HIV e ISTs, dois assuntos que tradicionalmente são soterrados por tabus e preconceitos, Rico Vasconcelos pretende discutir aqui, de maneira leve e acessível, o que há de mais atual e embasado cientificamente circulando pelo mundo. Afinal, saber o que realmente importa sobre esse tema é o que torna uma pessoa capaz de gerenciar sua própria vulnerabilidade ao longo da vida sexual. Podendo assim encontrar as melhores maneiras para manter qualidade no sexo, e minimizar os prejuízos físicos e psicológicos associados ao HIV e ISTs.