O que leva uma pessoa a ser contra a PrEP?
Rico Vasconcelos
09/11/2018 04h00
Crédito: iStock
No meu trabalho, com prevenção e tratamento de HIV e Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), percebo de maneira evidente que uma parte da população reage muito negativamente quando conhece a Profilaxia Pré-Exposição ao HIV (PrEP).
Por inúmeras vezes já me vi no meio de uma discussão acalorada, tentando explicar para pessoas que se diziam "contra a PrEP porque preferiam a camisinha" algo que deveria ser natural: quanto mais ferramentas de prevenção contra o HIV tivermos, mais fácil será o controle dessa epidemia.
Diferentemente do que dizem os que se incomodam com a PrEP, essa é a estratégia mais potente de prevenção contra o HIV já inventada até hoje. Ela não sobrecarrega os órgãos, não tem efeitos colaterais e nem faz mal para a imensa maioria dos seus usuários. Não promove uma explosão das outras ISTs, nem faz com que o HIV fique mais forte e resistente. Isso tudo já foi demonstrado cientificamente.
É como se a simples existência de uma estratégia de prevenção diferente da camisinha provocasse nas pessoas uma aversão imediata, não importando que essa nova ferramenta garante proteção igualmente eficaz contra o vírus. E aqui, noto que a aversão é na verdade ao sexo, sobretudo ao sexo sem camisinha, uma vez que é esse o tema que a PrEP traz para o centro das atenções, e que antes era de alguma forma controlado através do discurso da prevenção do HIV.
Essa rejeição automática à PrEP é muito parecida com outra reação negativa, já mais antiga, associada a tudo aquilo que se relaciona de alguma forma ao HIV, conhecida como sorofobia. As pessoas que vivem com HIV sabem muito bem o que estou falando, e podem dizer como é frequente serem julgadas e receberem o rótulo de promíscuas, erradas ou impuras. Em outras palavras, percebo que é reproduzido sobre a PrEP boa parte do estigma que já existia com o HIV, sempre se atribuindo uma carga negativa ao sexo.
Pensamentos como esses não são estruturados, embasados numa argumentação lógica nem científica. São irracionais, como são os preconceitos.
A repulsa à PrEP, assim como a sorofobia, é fruto da maneira como a sociedade encara a sexualidade humana e a existência das ISTs. Ela será facilmente encontrada onde a empatia for escassa e o julgamento abundante. Digo isso pois, a falta de uma e o excesso da outra, fazem com que um indivíduo se torne intolerante e cego à realidade.
Além de ignorar os estudos científicos publicados sobre a PrEP, ignoram a própria história da epidemia de HIV, que nos mostra que simplesmente fracassamos na tentativa de reduzir os novos casos dessa infecção utilizando apenas o mantra "Use Camisinha". Fracassamos, não porque a camisinha não funciona para prevenção, mas porque ela definitivamente só resolve parte da prevenção de parte da população.
Nesse cenário, a empatia é fundamental para compreender que, na vida real, as pessoas fazem sexo, sim, e não há nada de errado nisso –aliás, foi por isso que a humanidade sobreviveu até hoje. E também que pessoas que fazem sexo sem camisinha sempre existiram e sempre existirão, não sendo esse jamais um motivo para serem deixadas de lado quando se fala de saúde.
Da mesma forma, as ISTs existem desde o princípio da humanidade, mas, somente mais recentemente passaram a ser objeto de culpa e julgamento. Não nos esqueçamos que uma IST não acontece com uma pessoa como castigo por conta de alguma coisa errada que fez. E que a única maneira de não estar vulnerável a nenhuma IST ao longo da vida é não fazendo sexo.
Pense na frequência do uso do preservativo no sexo oral, prática sexual com risco real de transmissão de sífilis, clamídia ou gonorreia. E me diga se faz sentido dizer que é contra a PrEP porque ela não protege das outras ISTs?
Para quem "é contra a PrEP porque prefere usar a camisinha", digo simplesmente "ótimo, continue usando". Mas não deixe a intolerância e o moralismo atrapalharem quem pensa de maneira diferente a também se manter com saúde.
Sobre o autor
Médico Infectologista formado pela Faculdade de Medicina da USP, Rico Vasconcelos trabalha e estuda, desde 2007, sobre tratamento e prevenção do HIV e outras ISTs. É atualmente coordenador do SEAP HIV, o ambulatório especializado em HIV do Hospital das Clínicas da FMUSP, e vem participando de importantes estudos brasileiros de PrEP, como o iPrEX, Projeto PrEP Brasil, HPTN083 (PrEP injetável) e na implementação da PrEP no SUS. Está terminando seu doutorado na FMUSP e participa no processo de formação acadêmica de alunos de graduação e médicos residentes no Hospital das Clínicas. Também atua na difusão de informações dentro da temática de HIV e ISTs no Brasil, desenvolvendo atividades com ONGs, portais de comunicação, agências de notícias, seminários de educação comunitária e onde mais existir alguém que tenha vida sexual ativa e possua interesse em discutir, sem paranoias, como torná-la mais saudável.
Sobre o blog
Com uma abordagem moderna e isenta de moralismo sobre HIV e ISTs, dois assuntos que tradicionalmente são soterrados por tabus e preconceitos, Rico Vasconcelos pretende discutir aqui, de maneira leve e acessível, o que há de mais atual e embasado cientificamente circulando pelo mundo. Afinal, saber o que realmente importa sobre esse tema é o que torna uma pessoa capaz de gerenciar sua própria vulnerabilidade ao longo da vida sexual. Podendo assim encontrar as melhores maneiras para manter qualidade no sexo, e minimizar os prejuízos físicos e psicológicos associados ao HIV e ISTs.