Campanha de ISTs do Ministério da Saúde é cara, desonesta e ineficaz
Na quinta-feira da semana passada, o ministro da saúde Luiz Henrique Mandetta anunciou a nova campanha oficial de prevenção de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), que custou aos país 15 milhões de reais. De lá pra cá, a repercussão negativa causada por ela conseguiu superar a de todas as ações anteriores do governo nessa área.
No vídeo divulgado, são apresentadas reações de nojo e medo de um grupo de jovens que, ao pesquisar na internet, se deparam com imagens dos sintomas de ISTs como clamídia, gonorreia, cancro mole, sífilis, herpes, tricomoníase e HPV. E arremata com slogan "Se ver já é desagradável, imagine pegar. Sem camisinha você assume esse risco".
A aposta da campanha é que, despertando nojo e medo na população, as pessoas se sentiriam culpadas por não usarem a camisinha nas suas relações sexuais. Isso, então, as levaria a mudar esse hábito, fazendo com que as epidemias dessas ISTs fossem controladas.
Para uma pessoa que não trabalha nem estuda a prevenção dessas infecções, a aposta pode até parecer fazer sentido, mas, com um pouco de memória e de conhecimento sobre o assunto, conclui-se que, além de se valer de uma estratégia equivocada, a campanha é desonesta com a população brasileira.
Na década de 1990 no Brasil, já foram testadas campanhas de prevenção de HIV que se baseavam no medo e na culpa. "Se você não se cuidar a Aids vai te pegar. Aids mata". Apesar da abordagem, essa foi a década em que mais rapidamente o número anual de novos casos da infecção aumentou na história da epidemia, só se estabilizando a partir de 1996, quando começou-se a oferecer gratuitamente a terapia antirretroviral no sistema público de saúde.
Primeiramente digo que o ministério se equivoca com a atual campanha de ISTs pois assustar um indivíduo não é uma maneira muito inteligente para fazê-lo se interessar ou se apropriar de um assunto. E afastar a população sexualmente ativa do tema da prevenção é um jeito de impulsionar a disseminação das ISTs.
Além disso, a estratégia pode ter como efeito colateral a desastrosa criação de ainda mais estigma sobre as pessoas que são diagnosticadas com essas ISTs. Para boa parte do público que assiste o vídeo, a mensagem que fica é "devo ter nojo e medo de quem tem sífilis".
Digo também que a campanha é desonesta com a população pois ela não se preocupa em transmitir algumas das informações mais importantes do conhecimento atual da transmissão e da prevenção de ISTs. Nos 90 segundos do vídeo não se fala sobre testagem nem tratamento dessas infecções, passo absolutamente fundamental para se obter seu controle. Nem mesmo sobre a existência dos portadores assintomáticos desses vírus e bactérias, que, dependendo do agente infeccioso, podem ser até 80% dos casos.
Tenta-se criar, com a campanha lançada, a ideia de que se uma pessoa usa o preservativo na relação sexual durante a penetração, está livre das ISTs. Entretanto, uma vez que a adesão ao uso do preservativo no sexo oral é baixíssima no mundo e que essa é uma via bastante eficiente de transmissão das ISTs abordadas no vídeo, o impacto esperado da campanha no controle dessas epidemias é mínimo.
Até hoje, a recomendação isolada do uso do preservativo não foi capaz de conter nenhuma IST em nenhum lugar do mundo. Já a abordagem da Prevenção Combinada, que integra o preservativo às imunizações, testagens periódicas e tratamento de ISTs inclusive em pessoas assintomáticas, a PrEP e PEP contra o HIV, tem obtido os melhores resultados ao redor do planeta.
O Ministério da Saúde brasileiro tem publicado um protocolo de Prevenção Combinada desde 2017, mas simplesmente não o implementa de maneira mais ampla. E nas campanhas oficiais insiste em repetir o ultrapassado monotemático discurso do "Use Camisinha".
O medo e a culpa funcionam como estratégia de prevenção apenas para parte da população. A educação efetiva, com acolhimento e individualização da prevenção para os diferentes contextos de vida, tem um potencial de impacto muito maior no controle das epidemias de ISTs.
O Ministério da Saúde não deve basear suas ações em achismos e opiniões pessoais, mas sim no que a ciência e a história têm nos ensinado. Enquanto continuarmos insistindo nas abordagens estigmatizantes e ineficazes, continuaremos vendo os números das ISTs crescendo no Brasil.
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